Capítulo 35: Frederico - Soberano

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— Pensar é um esporte solitário, garoto. Deixe-me só — disse Frederico, sentado na beira da Fonte das Histórias, insensível ao frio da noite de inverno.

— Eu não sou um garoto! — retrucou Leon, que estivera observando Frederico das sombras. Imediatamente segurou a língua, desculpou-se e começou a apresentar-se, mas antes que pudesse dizer seu nome, Frederico o interrompeu.

— Não me diga seu nome. Já basta que terei de recordar seu rosto quando você morrer.

As mãos de Leon espremeram sua lança. Estava completamente armado, pronto para a batalha, e Frederico assumiu que mais uma luta inútil aconteceria na Boca da Guerra pela manhã. Ele assumiu errado. Tão imerso estava em seus planos que não prestou atenção à agitação que chacoalhou Beloú naquele dia, quando uma mulher maltrapilha chegou do Sul com notícias de uma Lencon invadida. Chegou sozinha, pois as tormentas sopraram mortos as vidas de seus companheiros.

— Senhor, — disse Leon — por que eles o chamam 'Frederico, o Fraco'?

— Eu não gosto de matar.

— Eu também não — disse o soldado. Ele era alto para a idade, os braços negros moldados para a lança.

— Então não mate.

— Não tenho escolha.

— Deveras.

Que palavras engraçadas o príncipe usava. Seriam elas as famosas palavras escritas de que ele tanto falava? Assim, com um 'deveras' caindo em ouvidos desacostumados, a conversa se extinguiu em silêncio insatisfatório. Mas Lencon havia sido invadida, a Guerra escapava da Boca; Leon precisava de — e estava determinado a encontrar — um herói.

— Sobre o que o senhor tem pensado este inverno inteiro?

Frederico voltou o rosto na direção do soldado. As sombras da noite encobriram as feições do príncipe, deixando apenas um faixo de luz prateada onde terminaga o rosto e começava a noite, de forma que a voz veio sem outra expressão que não a de mistério quando ele disse:

— Em como terminar esta guerra.

E o silêncio voltou, desta vez quase como uma canção de ninar, uma brisa anunciando a primavera, que afinal de contas não estava tão longe. Leon deixou o príncipe a sós.

Ao alvorecer, Frederico voltou à Mansão Real de Beloú. Um alvorecer cinzento, de luz dispersa que não lançava sombras e endurecia tudo sem delinear nada. Frederico escalou as escadas da mansão até o quarto do irmão. Faust estava em pé olhando pela janela, a mão direita apoiada no beiral, os ombros delineados, porém meio embaçados pelo cinza. Ver Faust ali em pé, encarando o amanhecer, inabalável e concreto contra o cinzento disperso encheu Frederico de orgulho por ser ele, e ninguém mais, irmão daquele guerreiro, daquele futuro, daquele que seria um dia o rei da Franária.

— Meu irmão, — disse Frederico — eu sei como vencer a guerra.

Mas Faust não enfrentava o amanhecer, ele o temia; Faust não se sentia concreto, e o mundo que ele conhecia ruía sob seus pés enquanto a guerra se soltava das rédeas e mostrava a Faust que ele não tinha nem nunca teve controle sobre nada. Enquanto seu irmão falou exaltado às suas costas, uma espécie de vômito subiu por sua espinha num arrepio que ficou preso na nuca. Faust não estava acostumado a sentir medo.

— Durante as últimas semanas, arquitetei um plano para você se tornar rei da Franária — dizia Frederico. — Não podemos deixar que Fulbert e Margot destruam nosso futuro como destruíram nosso passado.

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