O sol saltou do horizonte, ousado. O rei de Patire caminhou brandamente para o portão de Chambert. Os soldados assistiram seu novo rei desaparecer nos portões e ressurgir sobre a torre de areia, ao lado de um jovem de pele vermelha.
— Ele é mais jovem do que pareceu no sonho — disse Leon.
— E um pouco mais alto — disse Theodore.
— O sorriso é igual.
— Também os olhos.
Os soldados de Patire reconheceram homem e sonho sobre o muro e encheram o peito de orgulho quando ele abraçou o rei Referico de Patire.
— Rederico? — perguntou Pierre.
— Uma coisa engraçada, essa do F — disse Rederico. — Um dia eu te conto a história.
Neville percorreu a muralha até a torre e apertou a mão de Rederico.
— Preciso de conselho — disse Rederico de Patire. — Não nasci para ser rei e sei que nosso objetivo é reunificar a Franária, portanto Patire não deveria ter uma coroa só para si. Pierre, eu gostaria de abdicar em seu nome.
Rederico ia dizer mais coisas, mas Pierre disse:
— Não.
Rederico ficou de boca aberta, interrompido, e Neville franziu o cenho.
— Você é a melhor opção que temos — disse o arqueiro.
— Não — disse Pierre.
— De qualquer forma — disse Rederico — eu acho melhor não me desfazer da coroa agora. Acho que minha gente precisa de um pouco de estabilidade no momento e receio que eles se orgulhem de mim. Não me perguntem como isso aconteceu.
— Não preciso perguntar — disse Neville.
Só muito tempo mais tarde Rederico percebeu que aquilo foi um elogio. Naquele momento, ele só continuou:
— Quero trazer Patire para junto de Chambert, nem que seja só para assustar Henrique, mas gostaria de dar a esses soldados um tempo para se lembrarem de que eu não sou um rei de verdade.
— Jure fidelidade a Pierre — disse Neville. — Na frente de todos.
— Não — disse Pierre. — Eu não sou rei.
— Podemos decidir o que fazer com a coroa de Patire quando derrotarmos a Guerra — disse Neville. — Por enquanto, você mesmo disse que precisamos unificar a Franária e você já unificou nossos sonhos.
— Se você visse o jeito como os soldados de Patire me olham — disse Rederico. — Eu não posso me curvar a nada menos do que um possível Mistério da Fronteira.
— Não sou rei nem mistério — Pierre levou ao mão ao bolso da camisa e tirou de lá uma placa vermelha e fina, do tamanho da mão de Pierre. Ela capturava o sol, moldava-o em ondas de fogo.
— Isso é...
— Uma escama — disse Pierre. Entregou-a a Frederico.
Não era fria. Tinha jeito de casca de árvore, só que inquebrável e incrivelmente leve.
— Rederico, pelo que você fez hoje, e, Neville, pelo que você vem fazendo há muito tempo, eu aceito o papel que me propõem neste momento. Só tenham em mente que o meu verdadeiro objetivo é Chelag'Ren.
Rederico devolveu a escama a Pierre, que guardou ela de novo junto ao peito. Naquela tarde, Patire, Chambert e também Baynard testemunharam o rei Rederico de Patire se ajoelhar diante de Pierre de Chambert.
Na tenda real de Baynard, Henrique segurava aberta a lona e, junto com Maëlle viu Rederico se ajoelhar, então Chambert engoliu o exército de Patire.
— Você me perguntou o que fazer — disse Maëlle. — Está ali a sua resposta.
Naquela noite, Henrique havia sonhado com orquídeas.
— Maëlle, por que você não me matou?
Ela demorou tanto para responder, que Henrique baixou a lona e se afastou.
— Eu não sei — ela disse. — Acho que eu não me sentia no direito, depois de tudo o que eu disse ao meu filho e ao meu marido. Uma parte de mim não acreditava e ainda não acredita que matar um amigo seja a solução de que a Franária precisa.
Um amigo? Henrique olhou para si mesmo, para o que ele era agora, para o que ele foi no passado. Lembrou da sensação de poder e orgulho ao ver soldados se ajoelhando aos seus pés; da ilusão de segurança e, sim, até de felicidade nos tempos antes de Olivier perder a mulher, antes de o capitão perder as pernas. Henrique foi prepotente, orgulhoso, iludido, um tolo.
Um amigo.
— Envie um mensageiro a Chambert — disse Henrique. — Diga que pretendo ceder minha coroa.
— Eu mesma irei — disse Maëlle.Porque ela tinha visto o filho ao lado do homem da Fronteira.
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A Boca da Guerra
FantasyUma guerra de rotina. O rei da Franária morreu sem deixar herdeiros. Aconteceu o de sempre: três primos que se achavam no direito começaram a brigar pela coroa. Depois de quatrocentos anos (e, sim, todos eles tiveram descendentes), a guerra continua...