Pierre escolheu para sala de reuniões uma câmara redonda na torre sul do anel interior de Chambert. Havia levado para lá uma grande mesa retangular, sobre a qual diariamente espalhava o mapa antigo da Franária pré-guerra e namorava o reino sem quebras. A luz entrava em ângulo por janelas em forma de lanças e se despejava pelo chão levemente irregular de tijolos terracota. Cadeiras foram surgindo, umas altas, outras de braço, duas até estofadas.
— Cadeiras diferentes para indivíduos diversos — Pierre disse com aquele sorriso dele, tão cheio de dentes.
Quando Neville chegou para a reunião daquela tarde, Pierre conversava com o mensageiro louco Menior, que Neville achava ser a pessoa mais sã daquela assembléia. Chegou Luc, louco porque dizia ter desistido de tudo, que não ligava para ninguém, mas passava quase todas as noites velando o Acidentado moribundo, que ainda não havia recuperado consciência, apesar dos cuidados constantes da Mestra Curandeira Marie, que vinha de Tuen todos os dias olhar o desfalecido.
Entraram então Thaila e o Eslariano, loucos porque já tinham feito toda uma revolução, falharam, perderam tudo, mas insistiam em continuar ali lutando por uma Franária quebrada. Até o Cinzento se esgueirou para o lado de Líran, a contadora de histórias.
Menior havia cavalgado para o norte, não até Deran, de onde ainda não se ouviam notícias, mas para descobrir a localização de Fulbert. Ele ainda estava empoeirado da viagem.
— Fulbert não deixou um homem, uma mulher, um ganso para defender os Saguões de Neve ou Beloú — disse o mensageiro. — Ele marcha para cá com tudo o que Patire tem. Cerca de cinco mil homens.
— Quantos temos em Chambert e Tuen? — perguntou Gregoire da Fronteira. Neville não tinha notado que ele estava ali, na sombra de Pierre.
— Três mil — disse Gaul de Tuen.
— Mas temos as muralhas — disse Gregoire. — Estamos seguros aqui. Certo?
— Nós, sim — disse Pierre. — O problema são todas as vilas e cidades entre Fulbert e Chambert. Precisamos interceptar Patire.
— No entanto, se quisermos deixar Tuen e Chambert com um mínimo necessário de defesa — disse Neville — só podemos levar dois mil homens, talvez dois mil e quinhentos. Metade do que Fulbert lidera.
Trocaram mais algumas palavras, fizeram mais alguns cálculos, por fim Pierre disse:
— Há soldados em Debur.
— Neville é herói em Baynard — disse o Eslariano. — Minha filha é uma das faces da rebelião. Se vocês dois surgirem juntos, Debur seguirá vocês.
Thaila pegou o braço de Neville.
— E quanto a Henrique? — perguntou Gregoire. — E quanto a Olivier?
— Quanto tempo temos? — perguntou Pierre.
Por que, Neville se perguntou, Pierre se dirigia ao Cinzento, todo desmilinguido no canto da sala? Mais espantoso foi o Cinzento responder:
— Garanto que Fulbert ainda está longe. Ele vai se demorar em cada vilarejo, matando devagar, esmagando até o último rato.
— O príncipe está certo — disse Menior. — Fulbert vai torturar uma vila por vez. Não seguirá em frente enquanto não tiver a certeza de ter matado a última pulga.
O príncipe? Não era possível. Aquele pequeno homem cinzento era o filho mais novo do rei de Patire?
Frederico e a luz do sol escapuliram silenciosos da sala redonda enquanto se planejavam rotas, se elaboravam ordens, se organizavam tarefas. Thaila e o Eslariano foram arranjar o necessário para a viagem a Debur, Pierre confabulava com Menior, Líran observava da janela e Neville passou instruções a Gaul de Tuen e a Luc antes de ir no encalço de Frederico, o Cinzento. Não viu e trombou com Gregoire na quina da porta, teve de segurar pelo braço o rapaz, ou Gregoire teria ido ao chão.
ESTÁ A LER
A Boca da Guerra
FantasyUma guerra de rotina. O rei da Franária morreu sem deixar herdeiros. Aconteceu o de sempre: três primos que se achavam no direito começaram a brigar pela coroa. Depois de quatrocentos anos (e, sim, todos eles tiveram descendentes), a guerra continua...