As veias vermelhas dentro dos olhos de Frederico estavam coçando. Ele não dormia desde que a Velha morreu e o Eliana ficou completo. Não havia futuro, só o pesadelo. Ele se concentrou em Faust e fechou os olhos. Se ao menos pudesse dormir um pouco. Alguém chamou seu nome do lado de fora da Mansão. Era o soldado que havia se apresentado sem ser convidado. Leon.
— A Boca da Guerra está estranha — disse o soldado.
Alguma vez esteve normal? Com um gesto, mandou Leon entrar. Subiram juntos à torre empoeirada da Mansão.
— Pensei que você estava com meu irmão — disse Frederico.
— Ele não me chamou — resmungou o soldado.
— Deveria sentir-se agradecido.
— Fui deixado para trás!
— Preferia correr o risco de morrer inutilmente?
— Eu estaria agindo — disse Leon.
— Que mania.
Do topo da torre, Frederico viu a Boca mover-se. O chão cinzento, quatro séculos de morte acumulada, girava num rodamoinho que parecia líquido.
— Pelos lobos de Sátiron — sussurrou Frederico. Então ele correu escadas abaixo e para a muralha.
— O que está acontecendo? — gritou Leon em seu encalço.
— Não sei. Talvez um furacão. Encontrem abrigo — gritou para as pessoas na rua. — Fechem portas e janelas, se escondam nos porões. Você também, soldado.
— Eu vou com você.
— Que mania!
— Qual é o objetivo de existir se não lutar? — perguntou Leon.
— Lutar não é um objetivo — gritou Frederico por cima do ombro. Subia de dois em dois os degraus da muralha de Beloú. — Guerra não é objetivo.
Ia mandar os soldados ali em cima buscarem abrigo, entrarem em qualquer lugar. O que, pela espada de Nakamura, estavam fazendo ali, parados? Ele também estacou no topo da muralha. O instinto gritava — Fuja! — mas há uma espécie de maravilha hipnótica na destruição, uma beleza rubra de fazer um mero homem se sentir ínfimo demais para dar sentido à fuga.
O ciclone de morte líquida puxou para o vale negro um meteoro vermelho. O impacto gerou uma nuvem de cinzas que apagou o horizonte em negrume e fogo. Durante sete dias e sete noites o chão tremeu. Havia fogo, constante e dançante, e urros como trovões.
Na noite do sétimo dia, veio o silêncio. O céu estava limpo, a terra, quieta. A nuvem de cinzas havia se assentado e coberto as ruas de Beloú. A manhã ainda não havia despontado, mas o horizonte ao leste queimava em vermelho. Quando a aurora pálida finalmente engatinhou pela Boca da Guerra, Frederico não encontrou Fabec. Onde antes ficava a cidade forte baynardiana, agora existia um buraco mais negro que a Boca da Guerra.
— Montem grupos de busca — disse Frederico. — Se houver algum sobrevivente, tragam para nosso hospital.
— Mas eles são baynardianos — disse Leon.
— Eles são franeses.
Uma pluma mais branca que a neve caiu do céu e pousou entre Frederico e Leon.
— De onde veio isso? — perguntou Leon.
— Você sabe de onde veio — disse Frederico. — Você viu o dragão.
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A Boca da Guerra
FantasyUma guerra de rotina. O rei da Franária morreu sem deixar herdeiros. Aconteceu o de sempre: três primos que se achavam no direito começaram a brigar pela coroa. Depois de quatrocentos anos (e, sim, todos eles tiveram descendentes), a guerra continua...