Capítulo 9: Frederico - O fraco

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Dois anos depois da Batalha da Ponte, Frederico foi morar com Faust em Beloú.

— Tem certeza? — Faust fez um gesto em direção à muralha que separava Beloú da Boca da Guerra. — Aqui mora a guerra.

— Nos Saguões de Neve moram monstros.

— Nossos pais.

Seus pais.

— Frederico, o que aconteceu?

— Eu não os verei. Nunca mais os verei.

Duas semanas antes, a rainha Margot procurou Frederico em um dos gigantescos saguões do castelo real de Patire.

— Filho. Um soldado migrou de Baynard para cá. — Margot tinha pele sem cor, cabelos sem viço, corpo sem carne.

— Ele vai se arrepender — disse Frederico.

— Ele disse que Henrique de Baynard apelidou você de Frederico, o Fraco.

Que divertido. O rei que nunca saía de seu castelo Esmeralda chamava a Frederico de fraco.

— Seu pai — disse Margot — quer puni-lo.

— Punir o rei Henrique?

— Não.

— O soldado?

A rainha balançou a cabeça. Frederico tinha uma memória, meio afogada no sótão de seu cérebro, de Margot menos murcha, de um tempo em que ela tinha quatro filhos.

— Venha — ela disse.

Frederico seguiu-a através de corredores, salas e saguões habitados apenas por colunas e vento. Corredores gigantescos e ocos, tetos tão distantes, que zombavam de Frederico e de sua pequenez.

Fraco começava com F.

Margot guiou o filho por passagens que se estreitaram cada vez mais. As paredes espremeram os caminhos, ficaram ásperas; as janelas se estreitaram como olhos de cobra. Aquele era o caminho para os Calabouços de Gelo.

Então o rei tinha finalmente decidido dar fim à existência de um filho inútil, pensou Frederico. No palco de Patire só atuavam guerreiros e vítimas. Frederico não era guerreiro, sobrava-lhe o outro papel. Ele parou e apoiou a mão na parede de pedra escura. Formou com os lábios o nome de Faust, mas o irmão estava em Beloú. A mãe pegou uma tocha e começou a descer uma escada estreita que a escuridão engolia. Calcanhar soltando lascas surdas de encontro à pedra, a mãe se apagava um pouco mais a cada degrau.

O que fazer? pensou Frederico. Resistir? Fugir? Para quê? Cedo ou tarde, após uma curta ou longa vida sofrida e sofrível, ele cessaria de existir. E seu fim seria violento como todos os fins na Franária. Fazia sentido prolongar o sofrimento?

— Filho.

Frederico desceu as escadas. O chão dos calabouços fazia barulho de mastigação sob os calcanhares do príncipe. As paredes, muito próximas, cintilavam com uma viscosidade fria à luz da tocha. Cheiravam a pano de chão e vômito. A fresta de uma porta entreaberta sangrava luz vermelha no corredor. A mãe parou e virou-se para o filho, bloqueando o túnel com o corpo. Empurrou a porta e a fresta foi aumentando, escancarando, até que o sangue de luz encobriu Frederico.

Do outro lado daquela porta aguardava seu fim. Que fosse a morte, e não ficar trancafiado para sempre nos calabouços de gelo. Ele entrou. Ferros pontudos, correntes torcidas enferrujadas por outra coisa que não água. Mesas de tamanhos diferentes, com gritos presos nas frestas. Uma mesa menor com um homem em pé atrás dela, um estojo de couro aberto ao seu lado cheio de ferramentas que Frederico nunca vira, preferia nunca ter visto. Na mesa, presa entre as mãos do homem (mãos enormes, cobertas de calos com linhas escuras), uma cadelinha de pelo curto, branco e preto, a orelha esquerda meio caída e os olhos, duas poças de medo. O cheiro de vômito era mais forte aqui e se misturava com o de urina.

— Conheço seu tipo — disse a rainha Margot. — Você não mata pois não quer causar dor. Mas a morte não é dor. — Ela andou até a mesa e fez cafuné na orelhinha caída. — A morte é alívio.

A cachorrinha deu uma lambidinha na mão da rainha. Margot voltou para o lado de Frederico.

— Não será bonito nem fácil, mas pode ser rápido — ela disse.

Frederico sentiu ela colocar em sua mão uma coisa dura, de couro, áspera e gasta. O cabo de uma adaga.

— Prossiga — disse Margot ao homem das mãos calejadas.

Eram precisas e calmas, as mãos; de certa forma, até delicadas.

No dia seguinte, Frederico partiu para Beloú.


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