Capítulo 34: Neville - Saliva

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Os duzentos soldados de Neville penetraram a mata fechada da Fronteira com passos medrosos e lábios cerrados. Dos guerreiros de maior confiança de Neville, só Manó estava junto. Quando saíu de Fabec Neville enviou Cabeça de Couro para Tuen e Vincent para Debur.

— Eu? — protestou Vincent. — Voltar para Debur?

— Preciso que você procure Thaila — disse Neville. — Você se lembra: a filha do padeiro eslariano.

Estavam no escritório de Neville em Fabec. Ele chamou Vincent e Cabeça de Couro separadamente para passar instruções.

— Sei muito bem quem é Thaila — disse Vincent — mas por que justo eu tenho de voltar a Debur? Eu escolhi Fabec a Debur. Percebe? Eu escolhia Boca da Guerra a Henrique. Eu sei o que você pensa de mim, capitão, mas isso não é justo.

— O que eu penso é que posso confiar em você — disse Neville.

Vincent não estava convencido.

— Desde aquele dia em que eu brinquei com o Acidentado — o soldado disse. — Desde aquele dia você me despreza, mas eu mudei.

— Você não mudou nada — disse Neville — e eu não te desprezo. — Ele levantou a mão antes que Vincent retrucasse. — Eu vi o que você fez depois. Eu vi você seguir Leonard e pedir desculpas. Você pagou uma cerveja para ele.

— Cidra — disse Vincent.

— Você pagou uma cidra para ele.

Vincent passou o peso do corpo de um pé para outro.

— Mas, capitão, você sempre me perseguiu nos treinos. Bushido da alma e tudo o mais.

— Você pensava que eu te perseguia porque achava que eu te desprezava — disse Neville. — Agora que sabe a verdade, volte para trás, examine suas memórias e veja se eu realmente te persegui.

Vincent continuou mudando de pé. Parecia dançar a um ritmo que só ele ouvia.

— Vincent, eu preciso de alguém de confiança em Debur.

— Sabe que Olivier pode ter levado ela para Tuen — disse Vincent.

— Cabeça de Couro vai a Tuen.

— Eu posso ir a Tuen.

— Você conhece Debur. Cabeça de Couro é de Tuen.

Vincent ainda fez perguntas. O que ele deveria fazer se Olivier não estivesse mais em Debur? Seguir para Tuen ou voltar para Fabec? Neville deixou a decisão a encargo dele. Tinha muito mais com o que se preocupar. Selecionar os duzentos guerreiros que o seguiram para a Fronteira foi a parte mais difícil. Nenhum deles estava preparado para as cores da Frontiera.

Seguiram ao lado do Loefern desde Fabec. Havia uma ferrovia antiga, que começava no lado patirense do rio, desaparecia onde devia haver uma ponte e ressurgia na margem baynardiana. Eles seguiram os trilhos ancestrais até a Floresta da Fronteira, onde as árvores eram quietas e não balançavam ao vento com o mesmo abandono que árvores de outros lugares. Os soldados tiveram de chegar perto o suficiente do Sangue para enxergar, nos intervalos escuros entre troncos antigos, o nevoeiro mortiço da Terra dos Banidos. Durante o inverno, o encontro do Loefern com o Sangue era um grito sem voz, desses mortos na garganta, típicos de pesadelos.

Aqui, as cores de Maëlle eram indiscutíveis. Elas serpenteavam em torno das trevas dos homens de Neville como escorpiões prontos para o bote. Por que Neville se incomodava com as cores? Por que ele as enxergava na Fronteira, mas não em seus homens? E quanto a si mesmo? O arco interagia com as sombras da Fronteira, o teixo negro se retesava em resposta a estalos das árvores largas, tão antigas que talvez tenham presenciado o Império.

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