Capítulo 117: Morte na Pedra

1 0 0
                                    


O padrão azul, cinza e verde, de Onda, grama macia e terra exposta se interrompia abruptamente aos pés de uma montanha formada por rocha inexistente no resto de Deran. Dali corriam rachaduras que se abriam em desfiladeiros, gargantas parecidas com as que, ao sul, abrigaram os cem mensageiros de Fulion.

Muito mais baixa que a Onda azulada e esbelta, a Pedra era escura, sólida, robusta. Se a Onda fosse mesmo uma onda e desabasse sobre a Franária, varrendo cidades, florestas, lobos e homens, a Pedra permaneceria imóvel e firme. Assim Vivianne pensava, mesmo quando descobriu que a montanha era oca.

— Lá está o castelo — ela apontou para uma estrutura que, à primeira vista, parecia uma formação natural na face sul da montanha. À segunda vista, percebiam-se torres e a muralha, a fortaleza a desdobrar-se como uma borboleta deixando a crisálida. — A cidade começa muito mais embaixo, na base da montanha. Parte dela está abaixo do chão. Ela tem três portões: o do castelo é o principal, mas há também um portão no norte e uma passagem menor na face oeste.

Tentaram primeiro o portão mais próximo, na face norte. Estava exatamente onde os cálculos de Vivianne as levaram. Um bloco sólido feito com a mesma rocha da montanha, esculpido em alto-relevo, como o painel de mármore em Chambert. Uma árvore esbelta preenchia a parte de cima com sua copa rica.

— De acordo com meus mapas, esta árvore era pintada de dourado. Será que existia mesmo uma árvore dourada em Sátiron?

— Existe — disse Lucille. — Não é dourada como o metal, mas sim como o outono. As folhas nunca se soltam e o sol, quando cai em ângulo, dá-lhes uma tonalidade que faz pensar numa espécie de ouro mais precioso do que ouro de verdade. É linda no verão, quando tudo é verde e Buck, em contraste, é outono. Minha época favorita para vê-lo é o inverno, pois Buck fica no norte de Sátiron, onde faz frio o bastante para nevar. O dourado de suas folhas é mais vivo quando o mundo ao redor é branco e azul.

— Buck — disse Vivianne. Que nome pouco grandioso para uma árvore fantástica.

— Ele era lobo antes de se tornar árvore.

— Buck é um nome comum para lobos?

— Acho que sim, não sei. Foi Yukari quem os nomeou e ela não hesitou. Ao lobo pardo, ela deu o nome de Buck. O lobo negro de sombras chama-se Jack, e o lobo cinzento, mestre das mentes, ela nomeou London.

— Buck, Jack e London. — Vivianne tentou ver grandeza nos nomes, não conseguiu. London talvez, porque os enes alongavam os ós.

— Vamos entrar? — perguntou Lucille.

— Não sei abrir o portão. Esperava encontrar alguma pista aqui.

Não havia dica, alavanca ou dobradiça, nem era possível atravessá-lo como o painel de Chambert.

— Vamos bater — disse Lucille. Ela mesma bateu três vezes contra a rocha, gerando um som baixo e seco.

Ninguém teria ouvido, mesmo se houvesse gente lá dentro. Vivianne começou a andar em direção aos cavalos, tentar a sorte na entrada oeste. Lucille continuou plantada onde estava.

— Lucille, o que você está fazendo?

— Esperando.

— A cidade está vazia.

— Então por que a trancaram?

Vivianne abriu a boca para retrucar, mas as palavras se acovardaram e a deixaram em silêncio com o beiço pendente. Um estalo duro como descarga elétrica. O portão se moveu para cima, devagar como tartaruga cansada. Das entranhas da montanha veio um sussurro gelado e penoso, como um último suspiro.

A Boca da GuerraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora