Capítulo 17: Neville - Tudo o que nos resta

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Capítulo 17: Neville – Tudo o que nos resta

Neville perguntou ao rei sobre as pernas do pai capitão.

— Como foi que ele as perdeu? — perguntou. — Que batalha foi essa, longe da Boca da Guerra e como foi possível Fulbert saber a localização exata da ponte de meu pai?

A cada pergunta, Neville se avultava um pouco mais sobre o rei. Henrique e todos os seus músculos estavam encolhidos ao redor de uma orquídea sem flor e sem botão. Quanto mais Neville perguntava, mais tenso e denso ele ficava.

— Quem revelou a Patire os planos da ponte? Foi mesmo Fulbert quem matou as pernas de meu pai?

De repente, Henrique explodiu como um vulcão em erupção. Ficou em pé tão de repente e tão enorme, que Neville deu três passos para trás.

— O que ele esperava? — vociferou o rei. — Tanto o que proteger aqui, tanta beleza, tantas flores! Para quê mudar o rumo da guerra? Ela está segura na Boca, para quê tirá-la de lá? Eu não pedi glória nem vitória, quem queria isso era ele. Ele se arriscou porque quis, mas pôs em risco muito mais do que a própria vida. Você não percebe? Ele colocou todos nós em risco. Todos nós.

— Você o traíu? — perguntou Neville.

— Eu não sou responsável pelo que acontece longe do Esmeralda — disse o rei.

— Você o traíu?

— Ele que traíu a todos nós ao tentar trazer a guerra a Baynard.

— Você o traíu?

Henrique voltou a se sentar, embrulhou novamente a orquídea com seu corpo: uma redoma de carne.

— Não fui eu. Mas não faz diferença.

— Quem foi? — perguntou Neville.

— A Guerra tem seus meios — disse Henrique. — Estamos seguros aqui. O que aconteceu ao seu pai foi trágico, mas precisamos agradecer que a guerra não cruzou o Loefern. Ninguém morreu.

— Soldados sorteados morrem todos os dias em Fabec — disse Neville.

Henrique passou as dobras dos dedos pela folha dura da orquídea.

— É o sorteio que decide quem vai — disse o rei. — Não é minha culpa, não sou responsável. É sorteio. É a guerra.

Neville, com nojo, foi embora. Ele continuava sem resposta. O rei não admitiu ter traído o capitão sem pernas. Parecia que sim e Olivier acreditava que tinha sido ele, mas o que Henrique falou não provava nada.

Traição tira o chão onde se pisa. Cada passo é um abismo. Dúvida corrói. Naquela noite, Neville procurou o pai. O capitão sem pernas não estava na edícula que Neville havia construído quando o pai começou a trabalhar com madeira. O capitão passava os dias ali e as noites na biblioteca. Já não cheirava mais a mofo e torpor, mas a pó de madeira e livro velho. Naquele dia, Neville encontrou o pai dentro de casa, tomando chá com Maëlle e Fulion, que se debruçavam sobre um livro aberto.

Fulion disse:

— A gente esquece. Parece que estamos dentro de um estômago de trevas que nos digere lentamente. Enquanto rola na língua macabra e fica mais pesada com saliva negra, a Franária esquece que existe um mundo lá fora.

Fulion raramente dizia mais do que duas palavras, a não ser quando conversava com seu cavalo Mancha, que estava do lado de fora e tinha tentado morder Neville quando ele passou. O capitão sem pernas ouviu a livreira com o caneco suspenso no ar.

A Boca da GuerraDove le storie prendono vita. Scoprilo ora