Capítulo 30: Frederico - Que bonita essa vontade de coisas

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Nas ruas de Beloú, havia ouro, joias e cintilantes pratas.

— Vejam seus olhos em espelhos de Gorgath — falou um mercador às crianças risonhas. Elas vieram e viram, elas riram e fugiram.

Havia bonecas, geringonças e fino licor.

— Venham experimentar, venham saborear. Não espirre na minha pimenta! — gritou um mercador de azul.

Um burro relinchou, uma égua sacudiu a crina. Um cavalo de guerra quase mordeu de passagem o ombro da vendedora de pássaros, que não viu nada e continuou arrumando as gaiolas.

Havia um papagaio.

— Venham logo — disse a ave. — Venham ver. Aqui temos tudo de que precisam.

Ele mentia, o papagaio, pois a Caravana de Rimbaud só podia oferecer impossíveis sonhos, um vislumbre de um mundo que o povo de Patire não podia alcançar, então um vazio cheio de silêncio quando a caravana deixasse Beloú. Mas Rimbaud trazia mercadores. Seu papel era dar ao povo o que eles queriam, não o que precisavam. Isso era papel do rei.

Dos portões de Beloú veio um brado e o som de uma espada batendo de encontro a um escudo. Era um soldado quem fazia a barulheira, e ele sorria. Outros soldados seguiram o exemplo e os mercadores de Rimbaud taparam os ouvidos. O príncipe Frederico voltava de uma de suas misteriosas jornadas. Ninguém sabia aonde ele ia, mas hoje ele voltava com uma moça bonita.

— Bem-vindo de volta, príncipe! Onde esteve desta vez? — perguntou um soldado.

— Em miserável desolação — respondeu Frederico.

— Não foi lá que esteve em sua última viagem?

— Você se engana, soldado. Da última vez eu estive em desolada miséria.

Frederico estudou todos aqueles sorrisos que pareciam caretas. Alguns rostos conhecidos haviam desaparecido, substituídos por outros, que também faziam careta. Frederico finalmente encontrou um rosto a que sabia dar nome e chamou:

— Anton.

Um homem alto, com cabelos, barba e cílios ruivos atendeu ao chamado.

— Esta é Líran — disse Frederico. — Mostre-lhe Beloú e a feira. — Ele voltou-se então para Líran. — Esta é a Caravana de Rimbaud. Anton será seu guia. Eu virei procurá-la mais tarde. — Preferia ficar com ela já, mas precisava ver Faust sozinho.

Anton coçou a cabeça ruiva, sem saber o que fazer. Que mulher bonita, essa Líran, com cheiro de ar fresco. Anton não fez perguntas, quem ela era ou de onde vinha. Ele era um soldado de Patire e soldados de Patire não perguntavam, obedeciam.

Líran passeou os olhos pela cidade, absorvendo todos os detalhes daquele caos de cores. Ela notou também, ao fundo, Beloú cor de argila velha.

— Há quanto tempo esta guerra acontece?

Anton encolheu os ombros e torceu os lábios num sorriso invertido.

— Desde que nasci. Espere um pouco. O príncipe Frederico mencionou algo a respeito, um tempo atrás (ele nos conta muitas histórias). Ele disse que a guerra começou uns quatrocentos anos atrás. — Quatrocentos anos, quarenta anos, era tudo a mesma coisa para quem só tinha vinte. — Por quê? — A pergunta o surpreendeu. Em geral, ele apenas falava quando um superior solicitava, e então só para responder, nunca para perguntar.

— Porque eu acredito que ela está prestes a mudar de rumo.

— Como assim?

— Você não sente?

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