Capítulo 82: Henrique de Baynard

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Águia empalhada com asas douradas abertas, olhos de vidro focados além do rei Henrique de Baynard. Sentado na cadeira alta estofada, a juba loira radiante, os músculos, o corpo enorme, um sol sem raios. A águia empalhada parecia desprezá-lo, olhava através dele com desdém de vidro.

— Fui eu que te matei? — perguntou o rei de Baynard.

Olivier entrou sem bater:

— Fulbert invadiu Baynard.

— Eu sei — disse Henrique.

— Precisamos deixar Debur — Olivier falou e parou. — Você sabe? — Mas o mensageiro tinha acabado de chegar.

Henrique se virou devagar da águia empalhada para Olivier, um sol sem brilho, estrela apagada. Nas mãos ele tinha uma orquídea seca.

— Você não ouve, Olivier?

— Não ouço o quê?

— Achei que ouvisse.

Olivier se aproximou de Henrique, tão maior do que ele, tão apagado, e notou as pupilas. Elas não eram negras, elas eram cinzentas, que nem as de Erla.

— A Guerra — disse Olivier. — Você fala com a Guerra.

— É ela quem fala comigo, eu não tenho voz. Nunca tive.

Eu não tenho presas.

— Precisamos ir para Tuen — disse Olivier.

— Minhas orquídeas morreram.

— Henrique!

— Se você não ouve, deve me odiar. Sua mulher. Você deve achar que fui eu.

Foi ele! Foi Henrique quem iniciou os sorteios da morte, que escolhiam quem deveria ir morrer em Fabec. Foi ele. Não venha dizer que foi outra coisa, que foi uma voz, a Guerra; não! Foi Henrique.

— Foi por isso — continuou Henrique — que você tirou de mim meus capitães, pai e filho. — Por um instante a pupila dele ficou preta e os contornos de Henrique ficaram mais lúcidos, assim como as rugas. — Você não ouve, você não sabe. Não existe escolha, Olivier. Nunca existiu. Uma vez que você entende a magnitude dela, só resta se curvar e criar orquídeas. Foi o que ela me ofereceu em troca de obediência: as orquídeas. Eu nunca pensei em resistir, mas fiz esse acordo: de que apenas alguns soldados morressem de vez em quando na Boca. A ideia dos sorteios foi mesmo minha, porque eu não tinha coragem de escolher quem deveria ser sacrificado.

Henrique colocou a orquídea morta sobre a mesa.

— Ela não me protege mais. Está grunhindo que nem um homem comum que quer erguer uma pedra maior do que ele. Ela acha que eu não percebi, mas eu vi, Olivier: eu via a Guerra tremer.

Olivier passou a mão pelo rosto. Estava cansado, estava com sono, tinha matado um cavalo, perdido Thaila e Tuen. Para alguém que não tinha voz, Henrique falava demias.

— Nosso maior pesadelo tem medo — disse o rei.

Uma batida à porta, Olivier se voltou, mas entraram sem esperar resposta. Um soldado alto de orelhas finas que pareciam de papel. Ele estava coberto de cinzas e tinha peso, aquele homem; cada passada como que abria uma ferida no chão do Esmeralda.

— Olivier de Tuen, onde está Thaila Eslariana?

Olivier se enfureceu, mas deu um passo atrás para se afastar das trevas que rodeavam aquele soldado.

— Quem você pensa que é?

De trás do homem surgiu outra pessoa e Olivier se encolheu mais horrorizado do que se a Guerra tivesse vomitado todas as suas trevas ali naquela sala. A mulher negra caminhou até Olivier, que se afastou até encontrar a parede.

— Maëlle — ele gemeu.

— Responda a pergunta de Vincent — ela disse. — Onde está Thaila?

A Boca da GuerraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora