Capítulo 99: Pierre

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— Ele vem todas as tardes como um raio vermelho e as asas dele brilham de tão brancas, parecem nuvens feitas de plumas. — Pierre todo esticado na beira do rio fica quase na ponta dos pés. — Ele já deveria ter vindo.

— O dragão não vai aparecer — diz Fregósbor.

— Não. Ele parou de vir um tempo atrás. Foi por isso que eu cruzei o Sangue.

— Porque ele parou de vir?

— Porque eu senti falta dele. Quando eu era pequeno, Chelag'Ren se sentava às vezes na margem de cá e ficava olhando para a gente. Parecia solitário, alguém que só quer conversar, mas todos aqui têm medo dele. Carlaje inteira vem ver ele no rio porque ninguém resiste à magia, mas ninguém chega perto. Um dia eu fui falar com ele e nos tornamos amigos. Melhores amigos. Quando ele parou de vir, eu fui perguntar por quê.

"Eu não sabia o que era a Terra dos Banidos. Assim que pisei nela, o Sangue desapareceu, o inverno ficou para trás e o frio que agarrou minha pele foi mais pontiagudo do que o inverno que ficou na Fronteira.

"Atrás de mim só havia pretume. Na minha frente só havia pretume. Uma escuridão desnorteante e sem chão. Então, o solo esfarelou debaixo de mim e eu caí.

— É preciso ter um caminho na Terra dos Banidos — diz Fregósbor. — É preciso encontrar uma estrada. Elas podem ser traiçoeiras, mas são sólidas.

— Caí — diz Pierre. — Não foi uma queda livre, mais como rolar um barranco abaixo. Às vezes parecia que eu encontrava alguma coisa em que me agarrar, mas essa coisa também se soltava e rolava comigo numa cachoeira de cinzas. Eu tive certeza que eu ia escorregar, rolar e cair até morrer.

— Mas você não morreu.

Pierre caiu e caiu até ficar todo esfolado e ele estava todo batido mas não conseguia se firmar por tempo o bastante para ver se tinha quebrado algum osso. Então uma dor escaldante abocanhou seu cangote e Pierre foi içado para cima e jogado em chão sólido e duro.

Dor e medo de tudo ruir novamente impediram Pierre de se mover por um tempo. Quando ele conseguiu recuperar o fôlego, alcançou bem devagar o cangote e viu que havia sangue. Ele percebeu que estava de olhos fechados (não fazia diferença no breu dos Banidos) e decidiu ficar assim mesmo. Foi um erro vir à Terra dos Banidos. Só dragões sobrevivem aqui.

Mas era tarde demais, ele já estava nas trevas e não adiantava se arrepender. Pierre abriu os olhos.

Pequeno mortal, o que faz aqui?

Fregósbor interrompe Pierre:

— A voz brotou dentro da sua cabeça?

— Parecido com isso — diz Pierre. — Não sei explicar direito: eu não ouvi palavras, eu soube a mensagem.

— Não precisa explicar. Um lobo falou com você.

Pierre, como qualquer pessoa, tinha uma imagem dos lobos de Sátiron. Na cabeça dele, eles eram enormes, maiores do que leões, com garras mais afiadas que as de Chelag'Ren e dentes luminosos iguais à lua.

O lobo cinzento era magro (não faminto, mas esguio), do tamanho de um lobo normal, com pelos viçosos porém normais e dentes brancos sem luar. Na aparência, só mais um lobo, mas o poder estava lá. Ao redor dele a Terra dos Banidos ficou sólida e havia luz, como se um caco de lua seguisse eternamente o lobo cinzento.

Pequeno mortal, o que faz aqui?

— Procuro o dragão — disse Pierre. — Meu amigo Chelag'Ren. Você sabe onde ele está?

Chelag'Ren está morrendo.

— Você pode me levar até ele?

Para quê?

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