Capítulo 02: Avary Foster

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Terra

A luta com seus cachos intensos e armados começou logo de manhã, depois do banho. Avary olhava seu reflexo no espelho enquanto enfiava a mão no pote de creme e depois nos cabelos, ao mesmo tempo em que ela penteava; parecia até que ela possuía três braços, o que seria muito útil para momentos como aquele, mas não, Avary era como qualquer outra pessoa: tinha apenas dois deles.

Enquanto delicadamente passava a maquiagem no rosto, Avary não conseguia deixar de pensar no quanto adorava o tom de sua pele morena, como se ela tivesse um bronzeado natural e infinito. Depois de vestir seu melhor jeans e sua camiseta favorita de Star Wars – bem, ela era secretamente uma viciada em ficção cientifica, ou seja, nenhum dos seus colegas e amigos do Colégio Andersen sabiam disso. Embora, naquele dia, ela iria justamente fazer uma visita a sua antiga escola, estava animada demais para pensar em esconder sua paixão.

Tamanha animação era devido a carta que recebera naquela manhã: a aguardada aprovação da Universidade de Al-Azhar, no Cairo. Avary estava indo para o Egito! Mesmo que Elena Treagus, uma das garotas da sua sala e uma das que ela menos gostava, também tivesse ido para a mesma universidade. Não ligava muito para isso, pois estaria realizando um sonho: estudar arqueologia no país com o melhor sítio arqueológico do mundo!

Desde pequena, Avary era apaixonada pelas pirâmides e pelas histórias dos faraós. Adorava a cultura, a mitologia, as múmias e sempre admirara com paixão toda a glória que os reis do alto e baixo Egito ostentavam através de suas joias de ouro e pedras preciosas.

– Bom dia, Narizinho. – Seu pai disse, tirando os olhos do Folha de São Paulo que lia, enquanto esperava o café-da-manhã.

Emershan Foster era um homem negro sul-africano; seu pai, avô de Avary, tinha nascido nos Estados Unidos, por isso o sobrenome Foster, mas a mãe era da África do Sul, chamava-se Mbali Nthabiseng – felizmente, Avary não herdara esse nome da família ou ela talvez seria incapaz de pronunciar o próprio nome. Quando pequeno, a família de Emershan veio para o Brasil, numa tentativa de melhorarem de vida, e conseguiram, pois Emershan tinha se formado advogado e hoje era sócio de um dos maiores escritórios do país. Emershan conheceu Flávia Maria Silva na faculdade, apesar dela ter cursado medicina; logo depois de conseguirem bons empregos, eles se casaram e tiveram Avary – o nome foi escolha do pai, que sempre gostou muito dos filmes produzidos por Roger Avary. Foi assim que Avary Silva Foster – Avary Foster, como ela gostava de ser chamada – veio ao planeta Terra.

– Apenas por que eu assistia uma série da televisão compulsivamente e não herdei o seu nariz, o que nós dois sabemos que é uma das grandes decepções da sua vida, não significa que pode continuar me chamando por esse apelido depois de eu completar dezoito anos. – Avary reclamou, lembrando-se da série em questão: Sítio do Pica-Pau Amarelo; e tentando ver o próprio nariz, que era pequeno e fino, como o de sua mãe. – Tenho certeza que foi por isso que Sora terminou comigo.

Sora fora namorado de Avary durante um ano e meio, mas tinham terminado em janeiro daquele ano, por que Sora iria viajar para o Japão, de onde os pais eram, para trabalhar em uma das maiores companhias de desenvolvimento de jogos, a Square Enix. Eles decidiram que assim era melhor, já que relacionamentos à distância nunca davam certo. Avary chorou durante quase três meses direto, até decidir seguir em frente com a vida e tentar a sorte com a Universidade de Al-Azhar.

– Vai me emprestar o carro hoje, pai? – Ela disse, sacando a habilitação provisória do bolso; ela nunca sentira tão orgulho de conquistar algo como sentiu ao pegar aquele pequeno pedaço de papel; isto é, até a carta de Al-Azhar. – Sabe que eu preciso ir até o colégio retirar meu histórico, depois, ir para o consulado egípcio tirar o visto e essas coisas. Viajo no fim da semana, lembra-se?

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