Cap.67 "Eu tenho uma última chance para encontrar a mim mesmo" - Last Chance

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Elizabeth abriu os olhos com a sensação de que não havia dormido, de fato. Não estava cansada, no entanto. Apenas se levantou, sem nenhuma expressão, e caminhou pelo quarto espaçoso de sua casa, em Cambridge. Tinha exatamente uma hora para tomar banho, preparar o café da manhã e chegar ao Addenbrooke's Hospital.
Adentrou em seu closet enrolada em um roupão felpudo e começou a escolher uma roupa enquanto se organizava mentalmente, precisava comprar um livro que um paciente artista plástico lhe sugeriu, presentearia Ryan em seu aniversário. Calçou seus sapatos e puxou um de seus jalecos, cuidadosamente pendurados em uma arara separada, dobrando-o e guardando-o dentro de sua bolsa.

- Bom dia. - Saudou à Charles, que estava quase todo dentro da geladeira.
- Bom dia, Betty... Onde está a minha salada de frutas?
- Não sei, talvez eu tenha jogado fora, porque as frutas estavam quase criando vida.
- Mesmo? - O rapaz olhou para a irmã mais velha com pesar.
- Sim, mas eu pedi que Madeleine que comprasse frutas, devem estar na gaveta.
- Hm... Vou fazer uma vitamina, então, você quer?
- Não, obrigada. - Betty sorriu, encostada à pia, enquanto esperava a cafeteira realizar sua tarefa. Olhava para o irmão, que agora já estava alguns bons centímetros maior que ela, tão bonito quanto ela achou que ficaria - Você não está atrasado, não?
- Um pouco, mas estamos na semana de Artes... Até a hora do intervalo vai ter só palestra.
- Hm... - Betty pegou sua xícara de café e andou até um dos bancos ao lado do balcão de madeira - Estive pensando... Na próxima semana faz onze anos que a mamãe faleceu, podíamos ir à Riverdale... O que acha?
- Tudo bem, por mim. - Charles murmurou, descascando uma maçã.
- Certo, vamos nos planejar, então.
- Sim, espero que consigamos ir, desta vez. - Elizabeth sentiu a mágoa no tom de voz do irmão, mas preferiu manter-se calada, não tinha razão alguma para argumentar com Charles.
- Eu também. - Seu café, de repente, pareceu frio - Eu vou indo, quer carona?
- Não, vou de metrô, mesmo.
- Certo, então nos falamos mais tarde.
- Bom trabalho.
- Boa aula, se cuide.

Após seu término com Jughead, em 2006, Elizabeth decidiu abrir mão do curso de física em Oxford, como já vinha pensando em fazer. Poucas coisas estavam fazendo sentido para ela naquele momento de sua vida, então ficou parada durante um ano todo, apenas estudando. Morava na casa de seu pai, em Bolton, e com isto também podia acompanhar o crescimento de Charles. Em 2007 foi aceita na universidade de Medicina em Cambridge, não pensou duas vezes antes de deixar tudo pra trás. Isso, sem que ela percebesse, incluía a si mesma.
Em seu quarto ano de curso, recebeu uma ligação assustada de Charles, seu pai havia falecido. Os médicos lhe encheram de motivos sem fundamento, mil doenças inventadas, mas Elizabeth, que agora também era quase uma médica, sabia o que havia matado seu pai... Tristeza.
Foi uma época difícil. Charles quis morar sozinho em Riverdale, já que Elizabeth estava hospedada em um dos quartos da faculdade, mas ela sentiu-se na obrigação de trazê-lo pra viverem juntos. Charles ainda era muito novo, precisava de cuidados. Não vinha sendo muito afetuosa e presente, mas a morte do pai, fez com que parte dela voltasse a se sensibilizar durante um período.
Vendeu a casa em Riverdale e, com o dinheiro da venda, comprou uma em Cambridge. Não era muito grande ou sofisticada, tampouco num bairro tão requisitado, mas era o suficiente para ela e Charles, sua família. E ainda sobrara alguma renda para se manterem por um tempo.
Com seus 23 anos, Elizabeth estava equilibrada entre seus estudos, o internato no hospital vinculado à faculdade, dar aulas de reforço para o primeiro ano de medicina, e a tentativa de fazer com que Charles deixasse as drogas. O rapaz, com 16 anos, via-se perdido. Não tinha sua mãe, seu pai, tampouco a irmã, que parecia viva, mas apenas parecia. Sentia falta de Jughead, mas nunca disse isso à ela, pois a última vez que tocara no nome do rapaz, há anos atrás, a irmã havia descontrolado-se de uma maneira que Charles desejou nunca mais ver. A Elizabeth insistiu devolver tudo o que Jughead tinha dado de presente à ele, dizia não achar saudável que eles mantivessem contato. Charles desejou dizer à ela que gostaria de manter contato com ele, já que Jughead parecia dar muito mais importância às suas questões do que a própria irmã, mas calou-se. Calou-se por todo o tempo, pois precisava dela, e agora, um pouco mais velho e maduro, entendia os motivos de Elizabeth, entendia que cada pessoa lidava com suas dores de uma maneira, a de Elizabeth era aquela... Não lidar.
Havia três anos que Elizabeth havia se graduado, e dois que havia feito sua residência médica voltada para Oncologia Clínica, mesma área que seguiu quando começou sua especialização. Nunca disse isso em voz alta, mas gostaria de poder salvar a mãe de muitas famílias, já que não pode fazer nada pela sua.
Acabara por conseguir uma vaga no hospital onde realizou seu internato e residência. Ainda não havia terminado a especialização, mas estava pesquisando alguns cursos sobre tanatologia para fazer, talvez um mestrado... Não queria parar de estudar. Não queria parar de fazer qualquer coisa. Não queria parar pra pensar, pelos mesmos motivos que Jughead não queria ir para Riverdale. Fantasmas. Mas aquele dia tinha um cheiro diferente de todos os outros, percebeu ela.
Enquanto dirigia um carro popular pelas ruas cheias, Elizabeth se lembrava das palavras duras de Charles quando dizia esperar que dessa vez conseguissem mesmo ir à Riverdale visitar o túmulo da mãe, e o do pai. Admirou o irmão por lidar com isso de maneira tão menos velada. Ela ainda se sentia enjoada cada vez que dizia em voz alta qualquer coisa que estivesse relacionada à morte dos pais. Charles não. Charles vivenciou o luto com sua plenitude, chorava em qualquer lugar onde estivesse caso sentisse saudades, conversava sobre isso com as pessoas, contava detalhadamente sobre o dia da morte de cada um e sobre as dificuldades que teve em todos os momentos, desde então. E apesar de ter passado por um período difícil com as drogas, já não usava nada além do álcool, e apenas por diversão. Havia se resgatado exatamente no momento onde teve de escolher entre superar ou ser como a irmã.
Charles encontrava com Elizabeth poucas vezes, geralmente pela manhã, antes de seguirem para suas tarefas diárias. Ele deixou de se importar, pois, de repente, quando Elizabeth entrava em casa, o ar ficava mais escuro e pesado, então ele preferia vê-la menos, e se sentir menos triste e friorento com sua presença. Charles passou a desenhar muito mais depois da morte da mãe, e se tornou um hábito muito mais frequente depois que o pai também partiu. O primeiro desenho feito por ele depois de ter começado a morar com a irmã era uma caricatura dela, assustadoramente parecida com um cadáver. E ela adorou. Daquele jeito estranho de adorar que Elizabeth passou a ter. Abriu um sorriso duro, como se seu rosto estivesse demasiadamente congelado para conseguir fazer qualquer movimento natural, emoldurou e colocou em seu quarto, junto com alguns outros desenhos que Charles havia feito a ela quando era menor. Todos tão radiantes e coloridos que nem combinavam com o mais recente. Assim como nada em seu passado combinava com seu presente, e, na verdade, olhando para aquela parede de quadros, Charles achou o contraste bastante atrativo, embora amargo.
Quando Elizabeth saiu do vestiário, agora com um jaleco sobrepondo sua roupa clara, encontrou com Jace, um enfermeiro com 25 anos de charme, beleza e inteligência, com quem ela se encontrou sete vezes, na sétima foi quando ele a pediu em casamento. Ele dizia não ter o que perder, e, depois de conhecê-lo um pouco melhor, Elizabeth percebeu que ele não tinha mesmo. Tinha um tumor irreversível no cérebro, os médicos haviam lhe dado dois anos de vida, no máximo. Isso deveria ter tornado Jace um rapaz melancólico, pensou Elizabeth quando ele contou sua história à ela, mas ele era encantadoramente vivo, alegre e imediatista. Tudo o que ela não era.

Betting Her - Adaptação BugheadOnde as histórias ganham vida. Descobre agora