Cap.65 "So much has changed, now it feels like yesterday I went away" - McFLY

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  Reli, mas a sensação ainda era a mesma. Surpresa. Angústia. Ansiedade... Saudades, talvez.
Me sentei onde estava, em um dos degraus do lance de escadas que dividia a cozinha de um corredor que levava à sala de TV. Segurei o convite, de papel amarelado e letras sofisticadas, entre os dedos de ambas as mãos. Meus olhos percorreram todo o conteúdo mais uma vez, e outra, até decorá-lo.
Me perguntei, primeiramente, como eles haviam conseguido meu endereço. Tentávamos a todo custo mantê-lo em sigilo, com o sucesso de McFLY, também veio o fanatismo, um fenômeno que desconhecíamos, e que é muito maior que qualquer um de nós imaginou. Desde então, qualquer privacidade pra nós é consideravelmente mais valiosa.
Depois me perguntei se os caras também teriam recebido, e se estavam dispostos a fazer aquilo. Certamente estariam, afinal, o que tinham a perder? O que eu tinha a perder? Seria legal reencontrar todo mundo. Todo mundo que não fazia mais parte do meu mundo.

- Alô - Ouvi o tom de voz de Sweet Pea do outro lado da linha e logo respirei fundo.
- Você recebeu o convite da Riverdale High?
- Não sei, cara, que convite? O correio ainda não passou por aqui - Explicou, Sweet Pea.
- Um convite pra um reencontro dos formandos de 2004, vai ser um evento beneficente, cada um doa o que quiser doar - Meu tom de voz e o jeito que eu usava pra falar, parecia que aquela situação não era natural pra mim - Enfim, achei que você já teria recebido, também.
- Nossa, que legal, cara! - Eu imaginei que Sweet Pea fosse se sentir animado, Fangs teria a mesma reação, sem dúvida.
- É, é bem legal - Fingi entusiasmo, porque, de repente, ele não existia - Você pensa em ir?
- Bom, se não tivermos nada agendado, vou falar com Valerie. - Sim, Sweet Pea e Valerie prevaleceram.
- Hm... É dia 12, acho que não temos nada agendado, por enquanto - Comentei, dobrando o convite e deixando-o ao meu lado, no degrau coberto pelo carpete palha.
- Você tá bem, Jug?
- Estou, por que não estaria? - Respondi rapidamente.
- Sei lá, você pareceu nervoso.
- É só a nostalgia, nada demais.
- Certo, então nos vemos mais tarde, no estúdio.
- Tudo bem, até depois.

Eu não sabia que sensação era aquela, talvez fosse a mesma de quando sentimos muita vontade de fazer algo, um profundo e mórbido tédio, ao mesmo tempo em que não temos a menor coragem de nos levantarmos pra, de fato, sair de tal situação. Percebi que eu não queria ir, de jeito algum, a este encontro. Ao mesmo tempo havia muito tempo que eu não desejava algo com tanta intensidade.
Eu quis que o convite não tivesse chego ao endereço certo. Que eu não precisasse ir. E também que não precisasse de razões para isto, não precisasse me justificar aos garotos, e principalmente quis não ter de me explicar para mim mesmo. No entanto, eram possibilidades inúteis, o convite já estava comigo. E, caso eu não fosse, eu precisaria de alguns motivos pra isso. Eu não tinha motivos pra isso.
Meu estômago guinou e eu tentei ignorar aquela ansiedade estranha e sem sentido. Me levantei e subi para tomar banho, eu precisava ir trabalhar, talvez assim eu me esquecesse de que, em poucos dias, eu poderia reencontrar todos os meus ex colegas de classe, estar em Riverdale. Riverdale. Há quanto tempo eu não visitava minha cidade natal? Sair de lá, sem dúvidas, causou uma falha em minha estrutura emocional jamais superada.

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Acordei trêmulo de frio, notei-me sentado na cama, meu pescoço doía. A luz estava acesa, na TV ainda passavam clipes musicais. Me encolhi, cruzando meus braços a fim de me esquentar. Olhei para a garrafa quase vazia de vinho no criado mudo, ela explicava a dor de cabeça.
Liguei o aquecedor, coisa que eu havia esquecido de fazer antes de dormir. Estava bêbado demais e ocupado em me atormentar com o fato de ser dia 12. Eu havia confirmado presença no reencontro. Fangs, sua namorada Midge, Sweet Pea e Valerie estavam lá desde o dia 10. Archie foi noite passada, mas eu adiei o quanto pude. O evento era aquela noite, e eu não sabia se realmente estava preparado pra ir... Bem, na verdade eu não estava, mas precisava ser menos mulherzinha.
Naquela manhã, enquanto me olhava no espelho, verificando minha barba, recém-nascida, e pensando se tirava ou não, reconheci uma espinha abaixo do meu queixo. Dedilhei a saliência em minha pele, depois examinei novamente meu rosto todo. Meus traços de expressão menos marcantes, minha pele mais oleosa e nenhuma barba, cabelos quase cobrindo os olhos, ombros diminutos, braços magricelos. Pisquei com força, dissipando a imagem da minha versão mais jovem no espelho, e não voltei a procurar meu reflexo.
Tomei um banho de quase uma hora, eu não costumava me demorar tanto, mas era um daqueles dias em que não temos vontade, se quer, de nos mexer. Então fiquei um tempo apenas parado sob a água, a dor no pescoço parecia melhorar com isto. A cabeça também já não doía tanto, mas eu sentia o gosto do vinho impregnado em minha língua. Meu estômago enviava sinais de ressaca.

Betting Her - Adaptação BugheadOnde as histórias ganham vida. Descobre agora