Cap.41 "Espera, que o sol já vem" (Mais Uma Vez - Legião Urbana)

1K 122 15
                                    

O ronco do motor do Ford Maverick vermelho parecia me deixar mais nervoso, eu mal podia esperar que ele deixasse de funcionar. Eu sentia frio. Eu sabia que Angie estava indo o mais rápido que a rodovia permitia, entretanto, eu desejava que já estivéssemos lá.
Gastamos pelo menos 20 minutos na estrada até chegar ao Royal Bolton, assim que entramos, a recepcionista me indicou a sala de espera, e quando cheguei lá, vi minha irmã encolhida em um sofá longo. Dei dois passos em sua direção, foi o suficiente pra que ela se levantasse e disparasse até mim, encolhendo-se em meus braços que a apertavam, tentando passar conforto, e buscar conforto.

- O que aconteceu?
- Eu descuidei dela um minutinho, um minutinho e ela...
- Shh, calma... Calma... - Pedi, ouvindo-a começar a chorar de maneira copiosa, respirei fundo e a apertei com mais força entre meus braços - O que aconteceu? Me conta direito, Jellybean.
- Espere até ela se acalmar, Jughead . - Ouvi Angie dizer e estender o copo plástico com água na direção de Jellybean, minha irmã aceitou e bebeu um pouco, depois devolveu o copo.
- Ela tomou os calmantes, todos os que ainda estavam no frasco... - Fechei meus olhos por um instante, depois voltei a olhar pra Jellybean, sentindo vontade de parar o tempo e consertar toda aquela porra - Foi o tempo de um banho, Jug, me desculpa, me desculpa, por favor... - Jellybean retomou o choro e eu a abracei com mais força, negando com a cabeça e sentindo as lágrimas chegarem rapidamente até meus olhos, eu não podia ser fraco agora.
- Você não tem culpa, Jellybean, não precisa se sentir assim, mamãe só estava se sentindo fraca, e a qualquer momento ela poderia fazer isso, com você por perto, ou eu, tudo bem? - Minha irmã assentiu rapidamente, mas seu soluço me fez acreditar que de nada adiantaria meus monólogos, ela se sentiria culpada mesmo assim.

Convenci Jellybean a se sentar para podermos esperar notícias. Disse à Angie que ela podia ir pra casa, mas ela se recusou, permaneceu ali até um médico se acercar e nos indicar seu consultório. Ele explicou o que podia ser explicado, uma intoxicação grave, mas poderia ter sido pior, caso o frasco estivesse cheio. Ela dormiria por algumas horas a fio e teria soro injetado em sua veia, pela fraqueza aparente. Um psicólogo viria para vê-la assim que ela despertasse, e também para conversar comigo e Jellybean.
Enquanto observava mamãe dormir, me perguntei o que ela havia sentido, a proporção de seu desespero ao decidir tentar se matar. Minha mãe tentou se matar. Ela ia nos deixar pra trás, pra nunca mais voltar. O que poderia ter passado por sua cabeça? Quão forte era sua dor para ganhar a prioridade que até então era de seus filhos? Eu não conseguia imaginar, não conseguia perdoar. Ela não tinha o direito de tirar a própria vida, enquanto eu sacrificava a minha pra vê-la feliz de novo.
Pela manhã, quando eu já não suportava a dor nas costas, Jellybean chegou acompanhada de uma enfermeira que veio medir a pressão de mamãe e retirar o soro.

- Eu posso ficar aqui se você não quiser ficar... - Disse à Jellybean, que ajeitava-se na cadeira ao lado da cama de mamãe, ainda adormecida.
- Vai pra casa tomar um banho, dorme um pouco, eu vou ficar bem. - Respirei fundo, hesitante diante da idéia de deixar Jellybean ali sozinha - Prometo.
- Ok... - Concordei e esfreguei meu rosto - Me ligue assim que ela acordar, 'tá bem?
- Eu ligo.

Beijei a cabeça de minha irmã e olhei mais uma vez para mamãe antes de sair do quarto. Percorri o corredor até a sala de espera, o mesmo corredor que eu havia atravessado várias vezes durante a madrugada, apenas para pegar doses de café quente e, com isso, me manter acordado. Quando entrei no pequeno cômodo, reconheci alguns rostos e, de repente, me senti emocionado.

- Hey, dude! - Ouvi Sweet Pea chamar, levantando-se e vindo em minha direção para um abraço, senti seus tapas em minhas costas e fechei meus olhos, sentindo um suporte que até então eu apenas tinha oferecido.
- Valeu. - Agradeci, não sei se ele entendeu pelo quê.
- Não precisa agradecer. - Disse ao apertar meus ombros e depois se afastou, Fangs e Archie também estavam próximos, receosos e sem saber o que dizer, como sempre, sorri fraco e cocei a nuca.
- Acho melhor você ir pra casa descansar, mais tarde a gente volta pra ver como ela está. - Fangs disse, concordei com a cabeça, sentindo meus olhos arderem de sono, cansaço.

Depois de um banho, tudo o que eu queria era me deitar e dormir. Ficar fora do ar por algum tempo. Fugir. Sem a menor vontade de comer, desci até a cozinha. O omelete que Fangs havia preparado despertou parte do meu apetite, e foi rapidamente devorado por mim. Enquanto eu finalizava meu suco, notei que o silêncio entre nós, pela primeira vez, não fora desconfortável. Não tínhamos nada a dizer... Na verdade, tínhamos, mas sabíamos, mutuamente, que não era a hora, e por isso estávamos tão calados. Estávamos respeitando o espaço um do outro, e era esse tipo de coisa que eu gostava na nossa amizade. O tipo de coisa que eu precisava, nossa amizade.

- Jug, acorda. - Abri os olhos, confesso, um pouco assustado, era como se eu nem tivesse dormido - Jellybean telefonou, sua mãe acordou. - Me sentei, desajeitadamente, e esfreguei meu rosto, tentando recuperar a força em minhas pernas para me levantar.
- Como ela está? Jellybean disse? - Perguntei, e bocejei logo em seguida.
- Ela está um pouco sonolenta e fraca, mas ela estava jantando e muito provavelmente sairá ainda hoje. - Sweet Pea me explicou, concordei com a cabeça e me levantei, andando até o banheiro.
- Já volto.

Após me aliviar e escovar meus dentes, voltei para o quarto e peguei uma jaqueta, ouvindo a chuva que caía fortemente do lado de fora. Passei pelo quarto de mamãe e separei uma troca de roupas quentes, coloquei dentro de uma mochila e segui Sweet Pea até o carro de Fangs, que esperava junto com Archie. Retornamos ao hospital, eles falavam uma coisa ou outra sobre nada e eu me mantive em silêncio, sem vontade de abrir minha boca. Talvez eles desconhecessem aquela tristeza em mim. Eu desconhecia.
Assim que cheguei no quarto, vi Jellybean sentada em um sofá afastado da cama, olhava para a tv, assim como minha mãe, parcialmente sentada, com uma expressão depressiva. Neguei com a cabeça e encostei a porta, elas notaram minha presença. Deixei a mochila sobre um aparador e controlei minha raiva.

- Filho... - Mamãe murmurou, cuidadosa, ela sabia que eu não conseguiria olhá-la naquele momento - Jug... - Ela me chamou novamente e eu me virei de frente para onde ela estava, sentindo um nó preso em minha garganta - Posso falar contigo?
- O que tem a me dizer, mamãe? Qual a sua explicação? - Ela calou-se, Jellybean se levantou com o olhar repressivo.
- Eu sei que eu errei...
- Que bom que sabe, mamãe! - Exclamei, em tom quase irônico - Que bom, pois eu espero de coração que você nunca mais repita coisa parecida na sua vida, independente do que acontecer daqui pra frente, independente de toda a dor...
- Eu fui fraca, sei disso...
- Foi... Foi muito fraca... Muito fraca! - Mamãe baixou a cabeça e Jellybean sussurrou meu nome, me repreendendo - Eu esperava mais de você, não só por nós, não por seus filhos, mas por si mesma. Foi sim uma falta de consideração com a gente, porque temos dado nosso melhor pra manter as coisas na linha, mas foi ainda mais falta de consideração com você mesma... Você deveria se envergonhar! - As palavras vinham a tona, como um vômito incontrolável que me fazia tremer dos pés à cabeça.
- Eu me envergonho. - Sussurrou ela, de modo quase inaudível.
- Que bom... - Senti as lágrimas queimar meus olhos - Pense em quantas pessoas dariam qualquer coisa pela cura de uma doença, enquanto você enche o cú de calmante pra suportar a partida de um cara que se quer merece! - Jellybean andou até mim e segurou meu braço com força, pedindo baixo pra que eu parasse - Se você quiser se entregar, muito bem, mas me avise agora, assim eu paro de lutar pra te fazer levantar, eu paro de me desdobrar pra consertar as coisas... - Mamãe agora chorava, mas eu não sentia culpa, ela precisava ouvir - Mas caso você queira superar isso, conte comigo.
Mamãe pôs-se a chorar com mais intensidade enquanto eu me acercava, a abracei com toda a minha força, e todo o meu perdão. Eu queria que ela se sentisse perdoada, e segura. Eu queria poder prometer a ela que tudo ia ficar bem, mas temi não conseguir cumprir tal promessa. Então apenas me mantive em silêncio, e deixei que o tempo se encarregasse do resto. Era o único meio.
O médico veio nos trazer sua alta e enquanto mamãe se trocava, Jellybean contou que nossa sessão com a psicóloga já havia sido marcada. E só depois de todas as pendências resolvidas, fomos pra casa. Mamãe não queria dormir em seu quarto, e eu não hesitei um instante antes de oferecer minha cama pra que ela ficasse o tempo que fosse necessário.
Quando eu achei que o dia já havia tido sua carga de angústia ultrapassada e que nada de mais surpreendente poderia acontecer, meu celular tocou. Meus olhos, ainda sonolentos, encararam o teto e depois buscaram o aparelho. Vi que havia chego uma SMS e, curioso, fui ver do que se tratava.

"Preciso falar com você. Me encontre amanhã durante o intervalo no salão de música. Veronica, x."

Betting Her - Adaptação BugheadOnde as histórias ganham vida. Descobre agora