Respirei fundo, uma vez mais. Tentando dedicar a devida atenção ao que a professora dizia, mas me parecia impossível concentrar-me em qualquer coisa que não fosse a carteira ao lado da porta, desocupada. Elizabeth esteve ali nos últimos tempos, mas ela não estava lá naquela manhã. Justo naquela manhã. Era a noite do show do Damien Rice, havíamos usado a premiação da gincana para conseguir os ingressos para a pista Premium, tudo estava combinado... Aparentemente.
Temi que algo ruim tivesse acontecido, talvez sua mãe pudesse ter piorado. Eu não queria pensar sobre isso, e eu tentava o tempo todo não fazê-lo, pois sempre tive em mente que nós atraímos as coisas que pensamos... Tanto as boas, quanto as ruins. É o poder do pensamento, tão forte quanto o poder da palavra. Todo tempo eu tentava pensar que Sra. Cooper escaparia dessa em breve, e tudo voltaria ao normal. Eu mal podia esperar por isso. Mas às vezes, eu simplesmente não conseguia não me preocupar e depositar todas as minhas fichas em minha própria fé. Talvez ela estivesse abalada, minha fé.
- Com licença, professora Thorton... - Desviei meus olhos desinteressados até a porta, por onde a secretária do diretor adentrava - Bom dia, classe.
- Bom dia. - Respondemos, da mesma maneira indiferente.
- Professora, posso levar o aluno Jughead Jones comigo? - Contraí o cenho, endireitando minha postura, mil coisas passaram pela minha cabeça, mas a única coerente é de que tivesse algo a ver com o festival de música, eu esperava que sim. Desta vez eu não me lembrava de ter feito nada errado.
- Claro, fique à vontade Sra. Reagan. - Me levantei, confuso.
- Ele está tão acostumado a tomar suspensão que quando é chamado à diretoria já fica assustado, olha só. - Sra. Reagan fez uma piada, gente, riam.
Fomos andando em silêncio até a diretoria, e quando passamos pela porta da sala do diretor, pude vê-lo acompanhado de Elizabeth e Sr. Cooper. No mesmo instante meu coração pareceu perder a força, e eu definitivamente não conseguia pensar no motivo pelo qual eu havia sido intimado para estar ali.
- Bom dia, sr. Jones. - O diretor saudou, com um riso preso, provavelmente pela minha palidez, ou algo do tipo.
- Bom dia, bom dia Sr. Cooper... - Estendi minha mão ao meu ex-sogro, que levantou-se para me cumprimentar, e em seguida olhei para uma Betty completamente emburrada - Oi, Betty.
- Oi. - Respondeu, sem se dar ao trabalho de me olhar, respirei fundo, algo ruim estava por vir?
- Sente-se, Jones. - Sr. Valley me indicou a poltrona, ao lado de Betty, e eu a ocupei.
- Aconteceu alguma coisa? - Perguntei de uma vez.
- Bom, Elizabeth foi convidada para um congresso em Paris, para apresentar seu projeto de pesquisa de Física...
- Uhum... - Concordei, ainda sem conseguir ter alguma noção sobre o que eu tinha a ver com isso - Me querem pra cobaia? - Zombei, fazendo com que o diretor e sr. Cooper rissem, Betty, porém, continuou emburrada.
- Não, Jughead, não é isso... - Sr. Valley concluiu, ainda entre risos - Acontece que o sr. Cooper não poderá acompanhá-la até Paris, e me informou que a única pessoa em quem confia para fazê-lo por ele, é você. Por isso te chamamos aqui para ver se você pode fazer esse favor à senhorita Cooper. - Nada consegui responder, apenas continuei olhando para o diretor, esperando ele começar a rir da minha cara e dizer que eu era um idiota por ter pensado em acreditar nisso... Mas o riso não veio.
- Eu já disse que não precisa disso, eu vou e volto sozinha, ou então Veronica pode ir comigo...
- Veronica não é um homem, Elizabeth, pode lhes acontecer algo. - Sr. Cooper protestou, e eu finalmente consegui olhar para Betty.
- Eu posso ir. - Afirmei, sem se quer ponderar - Posso ir.
- Que bom! - Sr. Valley comemorou - A escola vai providenciar o endereço dos hotéis mais próximos da universidade onde estará acontecendo o congresso.
- Diretor, precisamos que o hotel seja em conta... - Sr. Cooper começou a falar.
- Diretor, eu mesmo vejo os hotéis, tenho alguns amigos em Paris, eles podem me indicar um bom hotel, e em conta, não se preocupem com nada. - Eu o interrompi, tomando toda a responsabilidade que pudesse preocupá-los, eles já tinham problemas demais.
- Você fica encarregado disso então, Jones.
- Eu não posso opinar em nada? - Elizabeth se manifestou, da maneira mais infantil que conseguiu, achei graça - Posso pelo menos escolher o meio de transporte até lá? Ou a roupa que eu vou usar para apresentar?
- Não seja mal-criada, Elizabeth. - Sr. Cooper retorquiu, me fazendo rir.
- Pode, Betty, é só me dizer como prefere ir e eu compro as passagens pela internet.
- Ótimo. - Ela não poderia ter forçado um sorriso mais irônico.
Assim que o diretor nos dispensou, saímos da sala, os três juntos, e fomos levar Sr. Cooper até a saída. Não que Betty parecesse querer minha presença, mas eu estava conversando com seu pai sobre o congresso, e antes de ir embora, ele me perguntou sobre nosso passeio em Londres ainda naquele dia. Betty não disse nada, eu apenas informei sobre como estava tudo planejado e que tudo daria certo, para que ele não se preocupasse tanto.
- Que horas posso passar te pegar? - Perguntei quando nos aproximamos da porta da sala.
- Que horas começa o show mesmo? - Ela parecia mais calma agora, na ausência do pai.
- Às nove.
- Quanto tempo você leva de Bolton à Londres?
- 2 horas.
- Então passa me pegar às seis e meia.
- Às seis estou passando na sua casa, ok? Esteja pronta. - Ela pareceu discordar, mas depois suspirou.
- E seu trabalho?
- Troquei meu horário com um funcionário, não se preocupe.
- Hm... - Betty umedeceu os lábios, e pela primeira vez em muitos dias não tive vontade de simplesmente abraçá-la e confortá-la, mas de beijá-la de forma que a fizesse desejar que eu beijasse seu corpo todo e não apenas sua boca - Não vai te atrapalhar?
- Não... - Neguei, ainda um pouco atordoado sob o efeito de seus lábios úmidos, avermelhados - Não mesmo.
- Ok, então.
Como já era de se esperar, o resto da manhã passou tão lento quanto o início dela. Por que diabos o tempo só decidia correr quando eu estava perto de Betty? Injusto. Almocei o mais rápido que pude e corri para o pub, antes que eu perdesse o horário. Angie ainda era flexível com meus atrasos e meus erros, porém não tanto quanto antes. Continuávamos conversando e ela me ajudava no que podia, mas não tão próxima, não tão íntima. Eu não lhe tirava a razão, mesmo que ela não estivesse a fim de mim, ninguém gosta de tomar um pé na bunda, vamos admitir.
Eu mesmo, nunca me apegava à garota nenhuma, porque elas se apegavam demais à mim. Poucas as garotas que me deram um fora, mas era por elas que eu procurava depois. É claro que isso também passava rápido, era só o tempo de tê-las em minha mão e poder me livrar delas, pronto. Como uma vingança. Eu não admitia perder, e ninguém gosta muito da sensação da perda. É normal, é humano.
- Jug, ainda está aí? - Olhei para Angie, eu acabara de deixar meu avental pendurado quando ela apareceu na cozinha.
- Sim.
- Pode limpar o pub antes de ir? Estou com uma dor estranha aqui na costela, não consigo nem mover direito o braço esquerdo, e os outros funcionários já foram. - Angie pediu, entreabri os lábios, pensando em protestar...
- É que eu posso me atrasar... Quer dizer... Tudo bem, eu faço isso.
- Obrigada.
Peguei a flanela deixada na dispensa junto com o produto de limpeza que cheirava à pinho. Limpei todas as mesas, o mais rápido que pude. Praguejando-me por não ter coragem de dizer à Angie que isso era injusto, pois o combinado não era esse, o funcionário com quem troquei de horário faria isso quando o bar já estivesse fechado, no fim da noite, como eu mesmo fazia todos os dias. No entanto, ela estava com dor, eu não podia ser frio a ponto de ignorar isso só porque talvez não desse tempo de ficar bom o suficiente para Elizabeth... Bem, nem todo o tempo do mundo seria o bastante. Eu não a merecia, de um todo. Mas eu daria o meu melhor.
Quando fui buscar o esfregão, junto com o outro produto químico, olhei no relógio pendurado no corredor. Cinco e dezenove. Respirei fundo, tentando controlar meu nervosismo. Eu precisava limpar aquele chão em dez minutos, no máximo. Eu o fiz, com Angie me observando sentada sobre o balcão. Eu sentia as gotas de suor brotarem em meu couro cabeludo e molhar minha camiseta. Eu já nem sabia se era cansaço, ou cólera.
- Agora só falta descer as cadeiras, colocar as toalhas... - Angie dizia, bebericando um gole de seu whisky, por um momento, senti que aquilo estava sendo proposital.
- Tudo bem, Angie. - Respirei fundo, levando o escovão e retornando para começar a estender as toalhas, assim que coloquei a primeira mesa, toalha e o suporte de madeira com temperos variados, senti Angie tomar, sem delicadeza, o suporte de guardanapos de minhas mãos.
- Vai logo, Jug. - Ela disse, sem me olhar.
- Por quê? Você está com dor, posso terminar isso.
- Vai logo, antes que eu me arrependa.
Eu não entendi muito bem sua atitude, mas também não fiquei esperando por explicação. Peguei minhas coisas e sai dali em disparada, eu tinha meia hora pra ficar pronto. Apenas meia hora. A ansiedade começou a aumentar gradativamente conforme eu tomava banho e escolhia uma roupa. Eu precisava estar no mínimo arrumado. Não era o tipo de show que eu estava acostumado a frequentar, não era como se eu pudesse colocar uma calça surrada, uma camiseta qualquer e um tênis sujo. E Betty também não era a companhia que eu estava acostumado a ter para esses eventos. Escolhi um jeans de lavagem preta e uma camisa, também jeans, num azul claro, desbotado. Calcei meu vans e o relógio de pulso do vovô. Gastei os 13 minutos restantes para secar e tentar arrumar meu cabelo, que obviamente não ficou como eu queria, mas também não estava mal. Borrifei um pouco de perfume e peguei a jaqueta de couro, pendurada no respaldar da poltrona, a vesti no caminho até a cozinha, onde me despedi de mamãe e Jellybean. Já saíndo, agarrei um muffin do prato de minha irmã, eu nem me lembrava qual tinha sido a última vez que comi no dia.
No caminho até a casa de Betty, passei em frente à uma floricultura, pensei em parar, e até diminui a velocidade em busca de uma vaga, mas passados dois segundos, percebi que eu não queria que aquilo se parecesse com um encontro. Eu a faria recuar se chegasse lá com flores. Então cheguei acompanhado apenas de uma única coisa: minha ansiedade.