Eu acredito que todas as pessoas deveriam receber uma quantidade mínima de amor durante sua vida.
É quase como precisar de comida pra viver. A diferença é que sem comida você morre, segundo um jornal que li, em um mês. E sem amor, você vai morrendo aos poucos. Você pode morrer a vida toda, a cada dia e nunca perceber. E como eu sei disso?
Porque eu nunca recebi nenhuma Migalha de amor. E olhando para trás só vejo um grande vazio, não há lembranças bonitas, meu passado é cinza e escuro. Assim como a maioria dos colégios internos que frequentei. Cresci sem a minha mãe e meu pai parece estar disposto a fazer da minha vida um inferno, e ele esta conseguindo com êxito, principalmente hoje....
Estou sentada em uma poltrona a sua espera. Quase nunca entro em seu escritório e não me surpreendo por encontrar apenas uma foto dele com Amanda e Rebeca sobre a mesa. Minha mente esta criando milhares de teorias, do porque ele me chamou aqui, nos não voltamos a nos ver desde que ele viajou nas ferias. Eu não pude ocultar minha magoa ao saber que ele me presenteou com uma viagem a Angra Dos Reis, enquanto ele viajava com minha madrasta e a filha dela para Paris.
Quando meu pai entra, eu espero que fale algo, mas ele apenas se senta em sua cadeira, coloca seu óculos e começa a ler uma folha que estava em suas mão. Sua frieza comigo continua a mesma, nem se quer me olhou. Me levanto para sair quando ele interrompe.
- Sente-se. Eu ainda não falei com você. - Volto a me sentar, e ele continua lendo o maldito papel. Observo tudo dele, desde os cabelos grisalhos até ao relógio de pulso, sua aparência está velha e cansada. Lembro de como era bonito quando era casado com minha mãe, talvez fosse porque ele sorria mais. Mas com a morte dela, muitas coisas mudaram. Ele se tornou frio e distante comigo. Me fez passar a infância e toda a adolecência em colégios internos. E quando eu finalmente volto para casa para fazer uma faculdade, descubro que ele esta casado e tem uma enteada, a quem ele trata como filha e dá todo amor que deveria ser meu.
- Maite, eu estive pensando muito sobre você ultimamente. - Ele diz.
- Pensando sobre mim? - Pergunto cheia de esperanças.
- Sim, você cresceu e esta na hora de tomar um rumo na vida. - Murchei quando percebi que falava sobre trabalho. Mas ao menos ele se importava com isso.
- Eu sei. Não vejo a hora de começar a exercer a minha profissão...
- Não estou falando disso, e sim de casamento.
- Casamento?
- Sim, hoje uns amigos irão jantar conosco, o William filho dele esta interressado em você.
- Interressado como? Ele me conheçe?
- Não.
- Então como...
- Isso não importa, você apenas tem que se comportar e tudo será resolvido. Se casará com um homem rico e bem sucedido. O que mais poderia querer da vida? - Franzo a testa, totalmente confusa. Ele quer me casar com algum estranho?
- Pai... você só pode estar brincando comigo.
- Eu não brinco, Maite. E você sabe disso. Vou me tornar sócio do Senhor Afonso Santiago, e esse casamento só irá me benificiar. - Como sempre, tudo se tratava de dinheiro.
- Mas e a mim? Em que irá me benificiar? Em nada papai. Eu não quero me casar com alguém que não conheço. Eu não posso me casar sem amor. - Ele riu.
- Não seja tola Maite. Amor é apenas um artificio inventado para iludir as pessoas, o amor não existe. - Nego com a cabeça.
- Você amava minha mãe. - Ele me encara como se eu tivesse falado um palavrão, mas continuo. - Eu lembro de como a tratava, como era amoroso com nós duas, mas depois que ela morreu, você mudou muito comigo...
- CALE A BOCA. - Estremeço com seu grito. - Esta na hora de deixar de ser uma garotinha mimada e se tornar uma adulta responsável. Você vai se casar e ponto, não é uma escolha sua. Agora saia, tenho muito trabalho a fazer. - Lagrimas embaçam minha visão. - E pare de chorar. Você chora por qualquer coisinha agora? - Obrigo minhas pernas a andarem e saio do seu escritório.
Ao chegar em meu quarto, pego a caixinha vermelha onde guardo as fotos da minha mãe e vou para cama. Mais uma vez estou chorando abraçada ao meu travesseiro e a sua foto. Ele não pode me obrigar a isso, um casamento aranjado irria acabar com meus sonhos de contruir uma familia amorosa e de ser amada, porque é apenas isso o que eu desejo, um pouquinho de amor, algo que foi me negado a vida inteira. Jorge não poderia acabar com isso, ele já me machucou demais.
Durmo depois de algum tempo, posso ouvir a voz de minha mãe sussurando ao meu ouvido.
- O que esta fazendo ai deitada? - Acordo assustada e vejo Rebeca aos pés da cama. Ela olha as fotos espalhadas e eu logo trato de começar a juntar todas.
- O que esta fazendo aqui, Rebeca? - Ela geralmente nunca vem no meu quarto.
- Levante logo dai e vá se arrumar para o jantar com os Santiago, seu noivo logo chega.
- Eu não tenho nenhum noivo e não penso sair do quarto essa noite, então com licença, quero ficar sozinha.
- Desde quando você quer alguma coisa? Você não se manda, Maite.
- Você não tem autoridade nenhuma sobre mim, Rebeca.
- Como é? Você esta na minha casa, sua mal agradecida.
- Casa que era da minha mãe, muito antes de você pensar em conheçer meu pai, não esqueça disso.
- Ela morreu, não esqueça disso. - Ela fala sorrindo, vejo em seus olhos o prazer que sente ao me machucar, mas engulo o choro, não vou lhe dar esse gostinho. - Bem... se não quer me obedecer, se acerte com seu pai depois. - Ela me deixa sozinha. Eu termino de guardar as fotos e encondo a caixinha no meu closet.
- Maite, Maite. Olhe pra mim menina. - Me viro para meu pai que esta parado na porta, furioso. - Vou falar apenas uma vez, então ouça com atenção. Eu não vou perder um negocio dessa magnitude por causa dos seus caprichos. Então em meia hora eu vou voltar aqui e você estando arrumada ou não, você vai descer, vai sorrir e fingir que esta amando a ideia desse casamento. Ou eu juro que vou lhe dar uma surra, da qual jamais vai esqueçer.
- Por favor, não faça isso comigo, eu te imploro que me deixe aqui, vou ficar quieta.
- Já disse que não. Você tem meia hora Maite, não quero ouvir reclamações. - Ele bate a porta quando sai. E eu engulo o choro de novo. Ele me surrou uma vez, semanas depois da morte da minha mãe, foi horrivel, a dor do cinto, seus gritos, sua raiva. Não quero viver aquilo novamente, foi o cenario de muitos pesadelos que tive na infância.
Então tomo um banho rapido e pego o primeiro vestido que encontro no closet, todo branco, até o joelho.
Ao sentar em frente ao espelho, vejo uma Maite triste e abatida. " Nada que uma boa maquiagem não resolva" seria isso que Camilla diria se estivesse aqui. Sorrio. A conheçi no ultimo colegio interno que estive, desde então nos tornamos amigas, minha unica e melhor amiga, ela me ensinou tudo que sei sobre maquiagem. Quero ligar pra ela e contar tudo que esta acontecendo, mas não tenho tempo. Então termino rapidamente de me maquiar.
Vou para a sala, sinto alivio ao ve-lá vazia, e me surpreendo ao encontrar uma foto minha na mesinha ao lado do sofá, ao lado da foto onde papai abraça Amanda e Rebeca. Quanta falsidade.
Ouço passos atrás de mim e vejo Amanda descendo as escadas, seu vestido é preto e justo ao seu corpo perfeito, graças a ela passar o dia na academia. Ela me analiza dos pés a cabeça e sorri.
- Imagino como seja seu noivo irmãzinha, ele provavelmente usa óculos e tem aparelhos nos dentes. E existe 90% de chances dele ser gordo. Eu não quero acabar com suas ilussões...
- Eu sei que esta muito preocupada Amanda. Mas seja lá quem ele for ou como for, não vai se casar comigo.
- Papai não vai perder dinheiro, por causa dos seus caprichos Maite. Você devia obedecer, é sua unica chance de se casar com um rico, porque afinal você não é bonita, seus quadris são largos e você é muito baixinha, e sem falar no seu nariz... - Deixo ela falando sozinha e vou para perto da janela, odeio quando ela começa me colocar pra baixo. Agora me sinto feia e insegura, mesmo não me importando com o que o tal noivo vá achar de mim.
A campainha toca, mas eu não me importo, continuo olhando pela janela, procurando fugir da realidade. Fecho os olhos, quero desaparecer agora. Ouço eles se comprimentando, Rebeca esta euforica ou fingindo muito bem.
- Boa Noite, é um prazer receber uma familia tão ilustre aqui em casa. Entrem, por favor. Jorge já vai descer.
- Obrigado. Este é meu filho William Guilherme, creio que ainda não se conheçem.
- Na...não. - Porque ela gaguejou?
- Boa Noite. É um prazer conhecê-la. - Com meus olhos fechados posso ouvir melhor cada voz. E essa em especial tem um timbre único, rouca e ao mesmo tempo macia.
- O Prazer é todo meu William. - A curiosidade me faz deixar a paisagem da janela, quero vê-lo. Ergo meu olhar e minha respiração para na metade. Ele é loiro, com alguns tons de castanhos e veste um terno preto sobre medida. Seu andar é elegante, apesar dele parecer ser feito de musculos. Olho para Amanda e ela parece tão impresionada quanto eu. Meu pai surge cumprimentando a todos.
- Essa é minha filha Amanda. - Papai a apresenta orgulhoso e ela praticamente se joga em cima dele lhe dando um beijo no rosto, percebo que ele é muito alto, pois mesmo Amanda estando com seus saltos fica pequena perto dele e olha que ela se acha alta com seu 1,78 de altura.
- Amanda... é um prazer conhecê-la. - Ele diz no mesmo tom cordial que falou com Rebeca.
- O prazer é todo meu William, senta por favor. - Agora ela tomou o lugar de Anfitriã da sua mãe.
Vejo que ele olha em volta procurando algo, ou simplismente esta conhecendo a casa, não sei ao certo e depois se senta. E logicamente Amanda senta ao seu lado.
Não sei se fico triste ou feliz por eles terem me esqueçido. Me sinto tão insignificante agora, nem se quer me notaram. Estou acostumada a ser menosprezada, excluida e esquecida pela minha familia, mas por eles, por completos estranhos é uma sensação horrivel.
Abraço a mim mesma, numa tentativa fracassada de proteção. O único lugar para onde posso correr é a cozinha.
Dou o primeiro passo, o segundo mas... pela minha visão periférica vejo alguém levantar, então paro.
Agora ele esta novamente de pé e seus olhos estão em mim, fixamente em mim, ele me notou. Engulo seco quando ele começa a caminhar na minha direção, seus olhos não saem dos meus até ele estar em minha frente. Ele é tão alto e forte, eu mal chego ao seu ombro. Me perco no castanho dos seus olhos. Então ele sorri de lado, como é possivel?
- Olá, sou o William, é um prazer finalmente te conheçer, Maite. - Ele sabe meu nome? Sim ele sabe. Sorrio.
- Prazer. - Ainda estou abraçada a mim mesma, mas ele estende a mão, então saio da minha posição de proteção. Sua mão é grande, assim como seus dedos. Me surpreendo quando ele leva minha mão até a boca e a beija. Pensei que isso só acontece em filmes.
- Venha sentar conosco. - Aceno com a cabeça, mas não me movo. Então ele segura no meio das minhas costas e me guia até a sala. Agora posso ver melhor os pais dele, a mulher tem cabelos pretos, é uma senhora de idade, mas ainda assim é muito bonita. O pai dele é alto, cabelos loiros e veste um terno impecavel.
- Maite, esses são meus pais, Lucia e Afonso Santiago.
- Boa Noite. - Os cumprimento.
- Boa Noite. - Ela sorri e parece surpresa assim como eu. O que é estranho. Então levanta e me abraça. Fecho os olhos, faz muito tempo que não ganho um abraço. - É um prazer te conheçer. - Sorrio. Depois aperto a mão do Senhor Afonso. Olho para o sofá onde deveriamos sentar, mas Amanda esta bem esparramada nele e me encara sorrindo. Então me sento no outro sofá sozinha. Vejo William se levantar novamente e se sentar ao meu lado. Pode parecer um simples gesto, mas ninguém nunca preferiu a mim em vez dela. E confesso que é uma sensação muito boa. E por esses breves segundos, eu me sinto especial. Apenas por um homem bonito ter escolhido sentar ao meu lado.