Narrador POV
Ninguém sabia muito o que fazer quando esse tipo de acidente acontecia. Alguém era "especial", algum idiota falava alguma coisa ruim – de propósito ou não – e pronto, a merda estava feita. O pior problema não era o que havia acontecido e sim as pessoas em volta. Ninguém sabia direito como lidar com a situação e era sempre mais fácil esperar que alguém tomasse uma atitude. Era mais confortável e, pelas costas, poderiam apenas dizer um "coitadinha". As pessoas sempre encontram o caminho mais fácil e confortável, ainda que aquilo prejudique ou deixe de ajudar alguém necessitado.
Lauren trincou os dentes de ódio e iria abrir a boca para – literalmente – mandar sua mãe ir se foder.
Mike se retraiu no sofá, tenso.
Sinu cerrou os punhos. Clara havia sido sua melhor amiga por todo esse tempo, mas ela podia simplesmente dar-lhe um tapa na cara ali mesmo.
Chris se mexeu desconfortável e alternou o olhar entre Camila, Lauren e Clara, se perguntando quem é que iria gritar primeiro.
Taylor mordeu o lábio inferior, nervosa, olhando para Lauren e pedindo internamente para que ela não fizesse nada estúpido.
Camila saiu correndo ao mesmo tempo em que seus olhos arderam, indicando que ela estava chorando. Só conseguia fazer suas pernas se mexerem para fora daquela casa e parecia que o ódio que sentia de si mesma não diminuía a medida que ela atravessava a porta da frente e encontrava a rua.
Por dez segundos, ninguém foi capaz de se mexer.
Sinu estava se decidindo se iria atrás da filha ou esganava Clara.
Mike encarou as pessoas em volta dele, desejando que alguém fizesse/falasse alguma coisa.
Chris desejou que alguém fosse atrás da menina, mas ele mesmo era hipócrita o suficiente para não se levantar.
Taylor olhou para a mãe com os olhos estreitos, acusando-a silenciosamente.
Clara observou Camila sair correndo e negou com a cabeça, como se confirmasse para si mesma que ela havia feito merda.
Lauren engoliu todos os xingamentos que ela tinha na garganta e saiu correndo atrás de Camila.
Camila corria. Ela havia dobrado a esquerda quando saiu da casa e estava quase chegando a esquina. Não enxergava direito o que estava acontecendo a sua volta e não conhecia absolutamente nada em San Miguel, mas queria se distanciar daquele lugar e sabia que correr era a melhor solução.
Lauren estava correndo atrás de Camila, mas ficava dividida porque queria muito matar sua mãe, ao mesmo tempo. Claro que Camila e seu bem estar eram mais importantes e Lauren acelerou o passo quando Camila dobrou a esquina, com medo de perdê-la de vista. Onde diabos ela estava indo?
- Camila! – Lauren gritou, a menina pareceu não escutar e simplesmente continuou correndo. Atravessou a rua sem ao menos olhar para ver se vinha carro e aquilo deixou Lauren em um extremo estado de desespero, a ideia de Camila se machucando era uma coisa que a deixava desesperada.
No ritmo que a menina corria, Lauren não iria alcançá-la tão cedo, mas estava correndo o máximo que conseguia. Camila não estava se importando tanto com a velocidade, não percebeu quando seu corpo começou a diminuir o passo, seus pulmões ardiam por ar, mas ela não podia parar. Queria se ver longe daquela casa e do quão diferente se sentiu ali, no meio de tantas pessoas normais.
Camila estava tão perdida que nem mesmo percebeu que Lauren estava atrás dela e achava que se tivesse percebido, não teria parado. Ela não sabia direito o que queria, mas queria ficar sozinha. Contato com outras pessoas, ainda que fosse Lauren, poderia fazer Camila surtar e aquilo era a última coisa que ela queria.
Lauren apertou o passo, enquanto Camila só fazia diminuir o seu. Ela finalmente alcançou a menina, puxando-a pelo braço.
- Camila! – Lauren exclamou e, depois de levar um susto, Camila olhou para cima e encontrou o rosto de Lauren. Uma ruga de preocupação no meio de sua testa e o polegar de sua mão livre que já iria de encontro à bochecha da menina para secar suas lágrimas.
- Lolo? – Camila perguntou, ainda um pouco perdida.
- Onde você achou que estava indo? – Camila negou com a cabeça e Lauren piscou por um segundo. –Fiquei com medo de que se perdesse. – Camila se desmanchou em lágrimas e tudo o que Lauren pode fazer foi abraçá-la.
- Eu não consegui. – Falou com a voz abafada por conta do choro. – Desculpa, eu não queria decepcionar você.
- Ei, não precisa se desculpar. Tá tudo bem agora. – Lauren apertou Camila em seus braços, se sentindo uma bosta por não poder fazer nada para ajudar a menina. A menina chorava copiosamente e Lauren se sentia cada vez pior, estava quase a ponto de começar a chorar também. – Vem, vamos voltar.
- Lolo, eu não vou voltar para aquele lugar. – Camila protestou, secando as lágrimas.
- Tá tudo bem. A gente entra pelos fundos e sobre pro meu quarto, ninguém vai nos ver.
- Eu quero voltar pra casa. – Lauren assentiu.
- Eu sei, amor. Eu sei. – Lauren beijou sua testa. – A gente vai voltar, relaxa.
Lentamente Lauren e Camila refizeram o caminho de volta para a casa dos Jauregui, dando a volta por trás e entrando pelos fundos, como Lauren disse que fariam. Camila ainda estava muito frustrada consigo mesma para pensar no que faria agora. Já Lauren estava mal e se sentia culpada pelo que aconteceu, Camila não faria nada disso se não fosse por causa dela e aquilo a deixava em um extremo estado de incomodo.
Subiram as escadas silenciosamente, ninguém as viu e logo estavam na porta do quarto de Lauren. Camila só se sentiu calma quando Lauren fechou a porta do quarto atrás de si. Então ela olhou em volta. Apesar de ser apenas um quarto, como qualquer outro, era o quarto de Lauren. Aquilo lhe trazia uma confortável sensação de paz, ela não sabia explicar por que.
- Esse é meu quarto. – Lauren falou, parecia sem saber o que dizer. Estava encostada na porta e olhava tudo com um pequeno sorriso. Ela sentia falta do seu quarto e também sentia falta de sua família, mas não é como se ela houvesse conseguido matar as saudades direito perante o que aconteceu. – Fique a vontade. – Completou esperando que Camila se sentasse na cadeira do computador ou em sua cama, ligasse a televisão ou qualquer coisa que a fizesse desviar a atenção por um segundo, mas a única coisa que Camila fez foi ir até onde Lauren estava e abraçá-la, escondendo o rosto em seu pescoço. Não estava chorando, mas a cena fazia o peito de Lauren doer do mesmo jeito.
- Eu não queria que nada disso acontecesse. – Camila falou, sem soltar Lauren. – Eu tentei, Lolo. Eu juro que eu tentei.
- Eu sei, amor. Não é culpa sua. – Lauren afagou os cabelos da menina. – Você não tem culpa se a minha mãe é uma estúpida.
- Ela não seria se eu... – Lauren interrompeu.
- Para de se culpar, tá bom? – Ficaram em silêncio por um instante.
- Lolo, você ainda gosta de mim? – Lauren franziu o cenho. Que porra de pergunta era aquela?
- Porque tá perguntando isso?
- Porque ninguém iria querer ficar com uma garota como eu. – Lágrimas começaram a irromper de novo dos olhos de Camila e Lauren segurou seu rosto, fazendo a menina olhar diretamente em seus olhos.
- Camila, olha pra mim. – Lauren pediu séria e Camila achou que a intensidade com a qual os olhos de Lauren brilhavam era capaz de tirar-lhe o ar. – Eu não me importo com as outras garotas. Eu não ligo para o que elas são ou podem ser, eu não definitivamente não quero saber disso. Você é a primeira coisa que eu penso quando eu acordo e a última antes de dormir. Para mim, você é a garota mais linda do mundo e a única que é capaz de me fazer feliz. O fato de você ser diferente só lhe torna mais linda e especial para mim, eu preciso que entenda isso de uma vez por todas. Não há mais nada no mundo que eu queria que não seja você e nada pode me fazer mudar de ideia. Eu quero ficar com você, Camila, eu preciso ficar com você, eu não consigo mais viver sem ter você por perto, sem ver o seu sorriso, você é a coisa mais importante da minha vida. Eu sou completamente apaixonada por cada detalhe seu e eu não acho que poderia ser diferente. Eu entendo que esteja insegura e que você tenha muitas dúvidas, mas uma delas eu tenho certeza de que você não pode ter: Eu amo você, Camila. Por mais que eu já tenha dito isso, eu preciso que você sempre se lembre: Eu amo você e eu não quero nenhuma outra garota no mundo.
Camila não soube o que responder. Ela não iria encontrar palavras boas o suficiente, ela ainda tinha algumas dúvidas, mesmo que não as quisesse. Então ela apenas abraçou Lauren o mais forte que ela conseguia. Como se aquilo pudesse tirar todas as suas dúvidas, os seus medos, a frustração que ela sentia de si mesma. Como se Lauren pudesse curar tudo e, de certa forma, Camila sabia que ela podia.
Ficaram algum tempo abraçadas. Lauren passava seus dedos pelas costas de Camila, para cima e para baixo, por cima da blusa. Camila tinha os olhos fechados e queria morrer nos braços delas, longe de todas as preocupações e das coisas que a faziam se sentir um lixo de pessoa.
- Ei. – Lauren chamou. – Você não quer deitar um pouco? Eu preciso... Ir lá embaixo. – Camila soltou o ar devagar e assentiu.
- Ninguém vai entrar aqui? – Camila perguntou receosa, se separando de Lauren e a mesma negou com a cabeça.
- Não, relaxa. – Lauren beijou sua testa e a menina se afastou, indo até a cama. Lauren tirou os sapatos da menina e a cobriu, beijando sua bochecha em seguida. – Eu já volto.
Então Lauren saiu do quarto e fechou a porta com cuidado. Ela cerrou os dentes e começou as descer as escadas, seus coturnos fazendo um barulho absurdo nos degraus, ela queria mostrar que estava puta e parecia que estava conseguindo algo assim. A primeira pessoa que viu foi Taylor, no corredor.
- Cadê a nossa mãe? – Perguntou antes que a menina pudesse falar qualquer coisa.
- Ela foi para a cozinha, depois que ela e a Tia Sinu brigaram. – Lauren apenas acenou uma vez com a cabeça antes de rumar furiosamente para a cozinha.
Passou direto por seu pai, que estava parado igual a um bolo fofo no meio da sala. Sinu não estava lá e Chris também não, mas Lauren não iria se dar ao trabalho de procurá-los agora, embora quisesse saber como Sinu estava. Só que ódio que ela sentia de sua mãe era tão grande que ela não estava nem pensando direito.
- Que porra foi aquela? – Lauren esbravejou, entrando na cozinha.
- Lauren, eu simplesmente não posso acreditar que você está perdendo tempo com essa menina! – Clara devolveu no mesmo tom, Lauren cerrou os punhos ao ouvi-la falar daquele jeito.
- Camila não é uma perda de tempo!
- Aquela menina não conseguiu ficar por mais de cinco minutos na nossa presença, que tipo de futuro você acha que vai ter com ela? Você não acha que vai se cansar? Que vai querer algo mais normal?
- Eu não me importo! – Lauren estava quase gritando, ela sentia todo o seu sangue ferver e achava que poderia perder a cabeça a qualquer momento. Nunca achou que se sentiria tão louca ao ouvir alguém falar assim de Camila, mas lá estava Lauren querendo quebrar a casa toda.
- Você enlouqueceu? Lauren, eu simplesmente não vou deixar você jogar a sua vida fora com essa menina que provavelmente não sabe nem combinar um par de meia igual! Você vai voltar a morar aqui em San Miguel e isso é uma ordem! – Lauren soltou uma risada sarcástica.
- Onde foi mesmo que eu já ouvi isso? – Perguntou cruzando os braços e fingindo lembrar de algo.
- Lauren, você não se sustenta sozinha e não é dona de si mesma! Eu sou sua mãe e se estou dizendo que você vai voltar para San Miguel, é exatamente isso que vai acontecer.
- Eu não preciso da merda do seu dinheiro! Inclusive, você pode pegar todo ele e enfiar no seu cu! – O próximo barulho que foi ouvido naquela cozinha foi o tapa que Lauren recebeu no rosto. Ela levou a mão ao lugar atingido e massageou um pouco, estava ardendo.
- O que tá acontecendo aqui? – O banana que se intitulava pai de Lauren entrou na cozinha, Clara engoliu o que iria dizer em seguida.
- Nada que eu já não esperasse. – Lauren falou baixo, a voz carregada de ódio. – Eu vou embora. – Foi tudo o que ela disse antes de se virar e dar dois passos em direção a saída da cozinha.
- No momento que você passar por aquela maldita porta, não precisa mais voltar. – Clara Disse e Lauren estacou onde estava, olhando para trás com desprezo.
- Eu não to fazendo questão. – E continuou a andar para fora da cozinha, sem pensar duas vezes. Sinu a encontrou no corredor e a segurou pelos ombros.
- Cadê a Camila? – Perguntou preocupada.
- Tá no meu quarto. – Lauren amenizou o tom de voz. – Vamos embora daqui, tia. Por favor.
- Vamos sim, querida.
- Vou buscar a Camila. – Disse e se virou para começar a subir as escadas. Chegou ao quarto em questão de segundos e abriu a porta devagar, com receio de Camila estar dormindo. Mas ela estava sentada na cama, seus olhos arregalados encontraram os de Lauren assim que a porta foi aberta. – Oi. Achei que estivesse dormindo.
- Não consegui. Vocês brigaram? – Lauren assentiu de leve. Camila se levantou da cama e foi até ela.
- Vem. Vamos sair daqui.
- A gente vai pra casa?
- Sim, amor. Vamos pra casa. – Lauren segurou a mão de Camila e as duas saíram do quarto.
Ela não queria pensar no quão mal se sentia, não agora. Não queria ter brigado com sua mãe, queria que seu pai falasse alguma merda, queria passar o final de semana na companhia de sua família e poder matar as saudades dos seus irmãos direito. Não estava pedindo para ganhar na loteria nem nada do tipo, era algo tão simples, mas que também parecia inalcançável.
Desceram as escadas rápido, Lauren parecia com pressa para sair da casa e Camila não conseguia compreender por que. Claro que ela tinha brigado com a mãe, mas havia sido tão sério assim? Camila só queria entender o que se passava na cabeça de Lauren naquele momento, ela não queria ser o motivo de Lauren se afastar da família porque era visível que ela os amava, como toda sãs pessoas amam suas famílias. Não era justo com Lauren, ela era tão incrível e merecia tudo de melhor em sua vida. Mas parecia que nada que ela tinha era tão bom assim, a começar por sua namorada.
Passaram direto por sua mãe e seu pai, parados no meio da sala como dois bolos fofos, agora. Camila pode jurar que Lauren apertou sua mão mais forte, não por medo, mas por raiva. Ela ainda queria entender o nível de seriedade da discussão, mas se encolheu ao passar por eles. Se sentia diferente, deslocada, anormal. E ainda se sentia mal por ser a causa da briga entre Lauren e sua mãe.
- Lauren? – Uma voz masculina chamou baixo e Lauren parou no meio do jardim. Era seu irmão e ela não podia ignorá-lo.
- Chris. – Lauren constatou e soltou a mão de Camila, voltando-se para o menino e abraçando-o.
Camila foi o resto do caminho sozinha para o carro, preferiu deixar Lauren se despedir de seus irmãos com toda a calma do mundo. Era o mínimo que ela podia fazer, agora. Entrou no carro e sua mãe estava ao volante.
- Camila? – Sinu se virou para enxergar a filha no banco de trás.
- Oi mãe.
- Como se sente?
- Péssima.
- Meu anjo, não fica assim. – Sinu afagou o joelho da filha. – Pelo menos você tentou, tá bom? Nada disso é culpa sua.
- Não queria que Lauren brigasse com a mãe por minha causa. Não é justo com ela.
- Eu sei. Mas a vida não é justa, correto? – Camila assentiu a contra gosto. Não queria acreditar que não podia fazer nada, mas de fato ela não podia. – Lauren é forte, ela vai ficar bem. E você vai ficar com ela, não vai? – Camila assentiu novamente, engolindo a vontade de chorar. – Ela vai precisar de você agora.
- Eu sei. – Camila respondeu baixo, Lauren estava abrindo a porta do carro e entrando, ficando ao lado de Camila no segundo seguinte.
- Podemos ir? – Sinu perguntou e Lauren assentiu. Não parecia muito afim de conversar no momento.
Então Sinu deu partida no carro e Camila se aproximou de Lauren, percebendo uma marca vermelha em sua bochecha.
- Ei, o que foi isso? – Camila se aproximou e tentou afastar o cabelo de Lauren do rosto, que recuou um pouco. A menina beijou carinhosamente o ombro da mais velha e afagou sua mão. – Amor... – Camila chamou de novo e Lauren se rendeu. – Ela fez isso? – A mais nova perguntou analisando a marca vermelha na bochecha de Lauren.
- Fez. – Lauren respondeu baixo e Camila se esticou, distribuindo beijos por todo o lugar marcado. A outra apenas deixou, cansada demais para falar alguma coisa ou protestar. Até porque, gostava dos beijos delicados de Camila em seu rosto.
Sinu não falou nada, apenas observou a cena do retrovisor, se perguntando como alguém poderia ser tão cruel em achar que uma não fazia um bem absurdo para a outra. Mas é essa a sociedade em que vivemos hoje. As pessoas não acreditam mais no amor, apenas se importam com o dinheiro e o status social, as coisas que realmente importam, ficam em segundo plano e até mesmo são esquecidas.
Lauren olhou para a placa que dizia "Você está deixando San Miguel! Volte sempre!" e suspirou. Ela estava deixando San Miguel, e o peso das palavras caiu sobre os seus ombros. Era como se estivesse virando uma nova página e começando a escrever um capítulo novo de sua vida. Ela só não sabia como iria começá-lo.