Capítulo 61: Colocando um dedinho no bolo

Começar do início
                                    

Cristina se levantou e deu algumas andadas, bufando. Aparentemente a mente dela estava longe, e revirando todas as más lembranças possíveis de más experiências com o masculino, sejam os homens ou o sistema criado a partir da visão masculina.

— Estou cansada de estar a parte, Cláudia. Você sabe do que estou falando. De reconhecimento. Você passa por isso o tempo todo. Rebecca também. Claro que entendo que é porque somos mulheres, e claro que entendo que há mais do que isso em jogo, mas... isso não é cansativo? Eles terem o controle desde a porra da casa branca até o craqueiro mais imundo?

— Cristina... o que você fala, não é uma questão de gênero...

— Claro que é! A mais filha da puta das mulheres é temida em silêncio, estão sempre às margens, nos bastidores. Eu quero pegar a coisa com as minhas mãos e ficar de igual pra igual, tá entendendo?

— Você não está falando disso... da diferença entre mulher e homem, você tá falando... de poder. E... olha, independente de como se dão as relações sociais entre os gêneros, etnias, sistemas econômicos ou o escambau, sempre há o comandado e o comandante. E comumente o comandante é um filho da puta, bem ou mal intencionado. E ele tem que ter apoio – Cláudia se levantou e se dirigiu até Cristina – o que é que você quer tanto controlar?

Cristina se calou. Respirou fundo e olhou ao redor.

— Eu não quero ser uma vítima – encarou Cláudia – e eu não quero estar sozinha.

Encararam-se por momentos que pareceram uma eternidade, onde passaram vários pensamentos relacionados as palavras anteriores de Cristina, que por mais confusas que soassem, havia nelas um linha condutora, que a grosso modo, relacionava as delicadas relações com o meio e consigo mesmas. O mundo era uma merda quando se olhava com atenção para essas relações.

Cláudia entendeu o que ela quis dizer com esse papo de gênero e poder.

— Você não está sozinha – Cláudia a segurou fraternalmente no braço. Olhou para Rebecca em um pacto silencioso de concordância – nós temos umas às outras.

O clima pesado logo passou por esforço de Cláudia, que procurou dispersar as outras mulheres do que havia sido falado, usando de música, comida e bebida.

Porém sua mente continuava processando.

Ela entende a difícil relação de uma mulher que deseja poder e que precisa negociar nos termos masculinos. Não é ilusão, as regras sociais se mantém em cima dos termos machistas. Mesmo quem não pensa no assunto, ao reparar, vai ver que em vários casos, as mulheres precisam agir como homens para serem respeitadas. Ou pensar como homem. Enfim, atitudes são relacionadas a gênero e não as capacidades ou necessidades, e quando uma ação não combina com seu gênero, há uma barreira para aquela pessoa. Claro que a situação é muito semelhante quando se é um estrangeiro. Ou se pertence a uma etnia diferente da maioria. As relações sociais forçam os "iguais" a se refugiarem em pequenos círculos (não é assim que entendemos o conceito de gueto?). E em frente às desigualdades do mundo, que são várias na verdade, o que você pode fazer? Encontrar os seus, certamente.

E o problema de Cristina é que, realmente, ela tem uma posição delicada. Ela não é só chefe da administração de uma empresa, mas é da Blue Velvet, o que significa que ela está envolta com os objetivos do irmão e com toda a politica que isso envolve. Dá pra imaginar o nível de isolamento. Quem vai entender os problemas dela? Por mais que tenha a família, as relações entre familiares não bastam num sentido amplo. Todo mundo sente necessidade de um respaldo, uma rede de apoio, enfim... uma estrutura social maior que a família. Por isso existem os clubes, que ela mencionou, as confrarias.

Scrupulo - Vale Quanto Pesa [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora