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Depois de algumas semanas tensas de comprimidos fortes e dias intermináveis.

Eu cheguei a conclusão de que eu não preciso disso.

Foi uma escolha minha, eu decidi ouvir a minha mãe e voltar a tomar os antidepressivos, mas pareço pior.

Mal consigo respirar, falar e muito menos manter os olhos abertos.

Sinto a minha cabeça pesada e os movimentos do meu corpo limitados.

A ideia de não pensar em nada é tentadora, de não precisar fazer nada, de não sentir mais ataques de pânico, ou a ansiedade te consumir por inteiro, mas isso não é vida.

Não é a vida que escolhi pra viver.

Me sinto um vegetal. Sinto que algo não está certo.

Antes de começar a tomar os remédios, eu decidi por mim mesma que não iria meter o Diego nisso. Eu ainda não contei pra minha mãe sobre nosso encontro, não quero que ela pense que de alguma forma eu vou estragar isso, e conte a ele que eu estou incapacitada de me relacionar, porque sofri vários traumas.

Eu não tenho atendido as ligações dele, na verdade nem sei como ele conseguiu o meu número, mas pelo menos mostra que ele se importa verdadeiramente comigo.

Também tenho evitado sair na rua, porque ele é o meu vizinho, e eu não quero que ele me veja assim, e agradeço que ele não tenha vindo me procurar, admiro que respeite o meu espaço, mesmo não sabendo o motivo pelo qual eu me distanciei dele.

Não quero machucá-lo.

Cheguei ao fundo do poço, e me recuso a morrer aqui.

Na verdade, eu estava mal a muito tempo, mas estava preocupada demais cuidando dos outros pra perceber. Era uma enxurrada de coisas pra cima de mim, e eu só deixando aquilo me inundar até não conseguir mais controlar.

E agora que acabou, veio a sobrecarga. E eu tinha consciência de que um dia todo esse peso cairia sobre mim, e que iria me esmagar.

Mas não tinha ideia da dor que seria.

E eu sinto que os remédios é só mais uma forma de fugir de toda essa merda.

Por que enfrentar o problema, se eu posso camuflá-lo e fingir que não está lá.

Tomar remédio seria como cobrir uma poça de água com um pano.

Eu não tenho mais quinze anos, não dá pra ficar trancada no quarto o dia inteiro, chorando e desejando morrer.

Sou adulta, e vou enfrentar essa parada como uma.

Levantei da cama, enxuguei o último vestígio de lágrimas dos meus olhos e caminhei até o banheiro, mesmo com passos relutantes, e pensamentos ruins tentando me convencer de que todo o meu esforço será em vão.

Meus passos seguem fracos até o banheiro, e aperto a barriga porque acho que assim vai amenizar um pouco a dor.

Não como direito à dias, e o pouco que eu como, mal fica no estômago.

Me olhei no espelho, e depois joguei um pouco de água no rosto e respirei fundo.

Antes de abrir a porta e ir até a sala onde a minha mãe estava sentada em sua velha poltrona, tricotando.

—– Você tem razão...

Ela me olhou por cima dos óculos de grau, e uma névoa de confusão se formou em seus olhos.

—– Eu não vou desistir dos meus sonhos por causa da depressão — Funguei — Eu vou lutar contra ela, não posso passar a vida inteira me auto sabotando por causa de coisas que jamais vou poder entender ou sequer mudar. Eu não quero ter que passar pela academia de dança que trabalhei duro pra construir, e ver outra pessoa no meu lugar, nem no restaurante e ver outras pessoas ganhando méritos por uma receita que poderia ter sido feita por mim...

Os meus olhos encheram de lágrimas assim como os da minha mãe.

—– Não quero ficar sentada vendo a vida passar diante dos meus olhos sem poder fazer nada, como se eu fosse uma inválida, eu não estou morta, mãe. Eu não preciso agir como se estivesse, pessoas me derrubaram, mas não significa que tenho que permanecer no chão.

Minha mãe correu os olhos pelo o meu corpo, e se assustou com a minha magreza aparente, além dos olhos fundos de muitas noites agonizantes de insônia.

—– Mas vou fazer isso sem remédios, e sem calmantes.

Essa afirmação a deixou preocupada.

Minha mãe sabe que as coisas que eu passei jamais poderão ser superadas sem ajuda de ansiolíticos e terapia, mas se eu aguentei firme até aqui, isso só prova o quanto eu sou forte, e que eu posso suportar um pouco mais. Eu vou vencer, porque sei que a minha recuperação só depende de mim, de nada irá valer os remédios se eu não acreditar em mim mesma.

E agora mais do que nunca, eu acredito, eu não vou deixar esses monstros do meu passado estragarem a minha felicidade, eles não podem ser mais importante que a minha vida, meu pai não pode ser mais especial do que qualquer outro homem, eu não necessito mais da aprovação dele pra nada, até porque ele está morto, todos eles estão.

—– Você só tem que confiar em mim.

Minha mãe sorriu, demonstrando que estava orgulhosa de mim e depois ela se levantou e me abraçou.

—– Eu confio em você — Suspirou, e isso foi o suficiente para fazer a esperança se acender dentro de mim.

Mais tarde, eu juntei todos os comprimidos e despejei dentro da pia, mas antes de abrir a torneira eu olhei para eles uma última vez.

—– Não vou ser uma louca, internada no hospício levando choque na cabeça — Encarei o meu reflexo no espelho, em seguida abri a torneira.

Soltando todo ar que eu estava prendendo até então.

E eu me senti tão bem depois disso, como se todos os meus traumas e medos tivessem ido pro ralo abaixo.

Depois disso, eu tomei banho, vesti uma roupa confortável e desci para almoçar com a minha família.

Eu ainda me sentia fraca, mas a felicidade me preenchia por inteiro.

Todos ali me olhavam como se acreditassem em mim, e isso era uma sensação incrível.

Mas eu sabia que assim que a noite caísse, eu teria um dos maiores desafios da minha vida para enfrentar.

Entrar pela primeira vez no meu quarto, depois de tanto tempo. Desde que cheguei estou adiando esse momento, porque sei que terei que bater de frente com o meu pior monstro, o monstro que originou todo esse sofrimento.

Eu nunca estive preparada, sempre preferi não pensar nele assim, sempre fugi, sempre ignorei, mas agora chega.

Destruindo esse monstro, eu posso destruir os outros.

A minha mãe se ofereceu pra entrar lá comigo, mas eu recusei, essa é uma dor que só eu posso curar.

Parecia um cenário de filme de terror. Um corredor longo e escuro, e no final uma única porta.

Uma porta que leva a pior experiência que uma pessoa poderia sentir na vida. Mas só eu tenho o poder de sair ou permanecer naquele quarto pra sempre.

Cabe somente a mim.

Reluto várias vezes no caminho, os meus olhos se enchem de lágrimas e as minhas pernas tremem.

Um turbilhão de sentimentos acomete o meu corpo.

E o maior deles é a raiva.

Automaticamente cerro os punhos e aperto com força, até sentir uma leve dor.

Eu não quero entrar lá, e sentir tudo aquilo de novo, talvez ainda não seja o momento.

Assim que me viro para voltar, uma lembrança surge na minha cabeça e me paralisa.

O vizinho Where stories live. Discover now