46

227 27 3
                                    

No dia seguinte Caleb acordou bem cedo, dizendo que precisava resolver algumas coisas no seu trabalho, para depois a gente ir junto para a nossa primeira sessão de terapia.

É estranho, porque não faz nem uma hora que ele saiu e eu já quero que ele volte.

Não sei, estou com um pressentimento ruim, mas fora isso, eu estou tão feliz dele ter concordado em procurar ajuda, ao mesmo tempo que eu estava receosa de ouvir ele repetir as atrocidades que fizeram com ele, da última vez eu nem consegui dormir.

É cruel demais saber que uma criança passou por coisas terríveis e que os próprios pais foram omissos, mas eu tenho que pensar que vai dar tudo certo, e que Caleb vai se recuperar e que o seu passado deixará de ser um problema que nos impede de sermos felizes juntos.

Estou pensando seriamente da gente ir morar em uma casa de praia com uma vista incrível pro mar, isolados de toda essa merda.

Quando eu fecho os olhos já ouço o barulho das ondas do mar, mas logo a imagem de Caleb se afogando surge na minha cabeça, me fazendo abrir os olhos abruptamente e ofegar.

Não sei porquê, mas tenho sonhado muito com isso ultimamente e confesso que me dá um certo medo.

Eu estou disposta a esquecer o passado, pra viver um futuro ao lado dele. Um futuro sem dor e sem lágrimas.

O sol sempre nasce depois de uma terrível tempestade.

Talvez eu até possa perdoá-lo com tempo, porque eu sei que eu vou ter que fazer isso pra gente poder viver em paz, mas quando eu me olho no espelho e vejo as marcas no meu corpo, um grande ressentimento me toma. É horrível, não consegui perdoá-lo ainda, mas tem coisas que dói muito e uma delas é não poder ser mãe um dia. Isso me corrói por dentro.

Aproveitei a sua ausência para ir até o hospital, para me despedir definitivamente de Vicent.  Eu também não quero que ele seja um empecilho na nossa vida. O que aconteceu entre ele e eu, por mais que tenha sido inesquecível, faz parte de um passado que precisa ser esquecido.

E em relação ao chip, vou entregá-lo a polícia que era o que eu deveria ter feito a muito tempo.

Não é problema meu. Não tem por quê  eu ficar sofrendo por uma coisa que está além do meu controle.

Tenho que parar com essa mania de querer salvar todo mundo. É extremamente cansativo.

Eu só quero viver a minha vida em paz.

E a polícia, com certeza, vai saber o que fazer. 

Dei um pulinho na casa do Vicent e peguei uma peruca emprestada para o caso de eu não ser reconhecida na rua.

Com esse chip nas mãos, sinto que tem um pistoleiro a minha espreita pronto para atirar.. Tô com a estranha sensação de que estou sendo vigiada.

Preciso me livrar disso.

Não quero morrer justo agora, que as coisas estão correndo bem no meu casamento.

Chega de sofrimentos, chega de traições, só recomeços. Caleb e eu, vamos construir uma vida nova, longe daqui.

Quando cheguei no quarto do hospital, levei um susto ao ver que a cama estava vazia e os lençóis perfeitamente dobrados sobre ela.

Meu coração disparou.

Não pode ser.

Eu sei o que isso significa, eu já tive perdas assim na vida.

E eu nem tive a chance de me despedir.

Tampei a boca para abafar o choro.

—– Ele não morreu —  O enfermeiro disse atrás de mim com um tom sereno.

Me virei para ele e limpei as lágrimas do canto dos olhos, esboçando logo em seguida um sorriso de alívio, mas ele parecia surpreso ao me ver.

Era de se esperar essa reação dele , já que eu estava disfarçada.

—– Ella, não te reconheci, porque tá usando peruca? E essas roupas estranhas?

—– Onde ele está? — Perguntei ignorando sua pergunta.

—– Bom — Ele suspirou —  Assim que ele recebeu alta, dois policiais e uma detetive vieram aqui e o levaram

—– Como assim o levaram, pra onde? — Voltei a ficar nervosa.

—– Não me informaram, mas a mulher é a mesma que veio aqui outro dia atrás de você. Que confusão se meteu dessa vez, Ella Watson?

Parei para pensar um pouco.

O chip.  Eles devem estar pensando que estar com ele.

—– Ok, obrigado —  Falei saindo às pressas do quarto.

—– Ella, não vai se meter em confusão -— O enfermeiro gritou da porta me fazendo parar e olhar pra ele.

—– Pode deixar, eu não vou  —– Sorri fraco, e vi rapidamente a sombra de um sorriso em seus lábios.

Passei pela recepção como um vulto, e fui até o meio da rua e por pouco não fui atropelada.

Fiz um sinal com a mão para um carro, que parou um pouco a frente de onde eu estava.

Corri até ele e entrei rapidamente.

—– Pra delegacia, por favor — Pedi ofegante.

O motorista assentiu e seguiu com o carro. Fechei os olhos e respirei fundo desejando que tudo não passasse de um mal entendido.

O vizinho Onde as histórias ganham vida. Descobre agora