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Era de madrugada, quando eu escutei um grito seguido de um choro quase que contido na escuridão. Eu levantei assustada, caminhei em direção a janela e vi um garoto.

Um garoto aparentemente debilitado. Ele estava com as mãos sobre a janela, e os olhos arregalados em desespero, estava pedindo socorro ao mesmo tempo que olhava pra trás com medo de está sendo perseguido.

Meu coração começou a bater acelerado e minha respiração ficou tensa. Não conseguia mover o meu corpo, eu estava paralisada, sendo obrigada a assisti-lo gritar por ajuda.

Meus olhos se encheram de lágrimas e escorreram pela a minha face pálida, e antes mesmo que eu pudesse gritar fui acometida por uma dor agonizante na barriga, e logo senti o sangue deslizar grosso por entre as minhas pernas.

Olhei pra baixo, tremendo, e vi meus pés desaparecem na poça de sangue, subitamente fechei os olhos em desespero, e quando abri, não havia mais nada.

Então me voltei para o garoto de olhar fixo e melancólico, e vi que ele ainda gritava como se sentisse alguma dor. Logo depois a figura de um homem grotesco, cuja o rosto eu não consegui decifrar, surgiu atrás dele, tampou a sua boca e o arrastou para escuridão.

Soltei um grito de desespero, porém nenhum ruído saiu da minha boca, então continuei tentando até que por fim, eu finalmente pude abrir os olhos.

Amanheceu, o sol já estava no céu, e irradiava pela janela anunciando um novo dia, enquanto eu estava deitada, ofegando com as sensações horripilantes daquele terrível pesadelo sem sentido.

Escorei na cama sentindo uma leve dor se estender pelo meu braço quebrado, enquanto que com o outro eu alisei a barriga inconscientemente, sentindo uma sensação de vazio.

Não sei o que dói mais, perder um bebê que você nem sabia que existia ou saber que você contribuiu de alguma forma pra isso acontecer.

Caleb o matou, mas eu permiti que isso acontecesse. Se não fosse pela minha compaixão por ele, o meu bebê estaria vivo.

Aquela surra provavelmente foi que o matou.

Mas o pior de tudo foi ter que ouvir Caleb dizer ao médico que eu simplesmente caí da escada e que isso resultou na hemorragia e no braço quebrado.

Eu senti náuseas quando escutei essas palavras saírem de sua boca.

Mas por mais firmeza e tranquilidade, com que Caleb abordava o meu acidente. O médico não acreditou, e veio me perguntar em particular o que realmente estava acontecendo, prometendo todo apoio necessário, mas por medo, acabei confirmando a versão que Caleb havia contado.

E agora estou aqui, deitada na cama, olhando para o teto, imersa a esse imenso vazio, sentindo uma tristeza profunda no coração e uma sensação de desamparo e solidão.

Como eu queria que a minha mãe estivesse aqui, e o meu pai, eles provavelmente saberia as palavras certas pra dizer, palavras que arrancaria de vez essa culpa de dentro de mim.

Mas o que me conforta é saber que essa criança foi poupada de uma vida de sofrimento, de nascer em um lar abusivo onde ela provavelmente sofreria repressões, falta de amor e carinho de um pai.

E se essa criança não for filha de Caleb?E sim de Vicent, afinal de contas foi uma semana intensa de descuidos.

Eu estava carregando no ventre, o fruto de uma traição.

Mas Caleb nunca aceitaria, porque ele não é o meu pai, e eu não sou a minha mãe, e eu jamais mentiria pra ele, jamais permitiria que ele cuidasse do filho de outra pessoa como se fosse o seu, por que me doeu muito descobrir depois de anos que a pessoa que cuidou de mim a vida inteira, que me educou, que esteve comigo nos meus piores momentos, na verdade não era o meu pai.

E quando penso nisso meu coração se parte em pedaços, pensar que a minha mãe o traiu, enganou ele todo esse tempo, é de uma dor imensurável.

Mas independente de tudo eu o amo como se fosse o meu pai de verdade, porque ele sempre exerceu esse papel melhor do que ninguém. Ele é o meu herói, o meu mundo.

E eu queria muito odiar minha mãe por isso, mas eu não consigo, assim como não consigo odiar Caleb por tudo o que ele já me fez. Mas eu sinto tanta raiva dele, repulsa e nojo que não consigo nem controlar. Ao mesmo tempo que o amo, quero descobrir a origem pra tanta maldade.

Mas apesar de amá-lo ainda, eu estava com uma profunda mágoa dele, uma tristeza que me deixava muda, estagnada, sem nenhuma expressão, completamente em estado de choque.

Caleb vinha várias vezes no meu quarto, trazendo flores, chocolates e uma bela bandeja de café da manhã, mas eu o rejeitava amargamente, cuspia em seu rosto, derrubava tudo no chão, porque essa era a única forma de demostrar o meu desprezo por ele, eu me recusava a acreditar que ele estava arrependido do que fez, ele só queria que eu voltasse ao normal, que eu voltasse a sentir medo dele, mas eu não estava mais com medo, por que eu não tinha mais nada a perder, ele definitivamente me tirou tudo, o que iria acontecer comigo depois era algo que não me importava mais.

Por mim, eu ficaria deitada na cama pelo resto da minha vida.

Eu gritei com ele diversas vezes, mas isso não foi capaz de irritá-lo, ele parecia sereno, como se nem fosse a mesma pessoa.

Tinha dias que a fome me vencia e eu comia um pedaço de torrada, mas vomitava tudo depois.

Em uma tarde ensolarada em que o meu corpo suava de calor e eu nem conseguia abrir os olhos, sentindo minhas pálpebras pesadas. Eu senti as mãos de alguém deslizando pelo meu corpo, e quando finalmente consegui abrir os olhos, ele estava tentando tirar a minha roupa.

Não sei porque, mas isso causou uma sensação desconfortante. O pavor fez com que o meu corpo ficasse totalmente alerta e ao mesmo tempo sensível.

Como ele pode pensar nessas coisas em uma situação como essa.

Comecei a me debater para me livrar dele, e a empurra-lo com um dos braços, mesmo sabendo que seria inútil, pois sua força era dez vezes maior do que a minha. Ainda mais, pelo fato de estar fraca, mas eu tinha dentro de mim, uma necessidade de lutar, e eu não sabia explicar, continuei batendo nele, mas ele insistiu, até me deixar completamente nua e depois disso ele me ergueu da cama, e me levou até o banheiro.

Lá dentro ele encheu a banheira, e me colocou com cuidado dentro dela, depois fez o que eu jamais imaginei que faria.

Me deu um banho.

Eu não sabia dizer se os arrepios era por conta da água fria, ou simplesmente por causa do toque sutil de suas mãos.

E durante todo esse tempo que estive deprimida, ele se empenhou em cuidar de mim, me obrigando a comer e a me reerguer. E fez isso de forma silenciosa e sutil, me deixando impressionada.

Não demorou muito para tudo voltar ao normal.

E eu não sabia distinguir se isso tudo era um delírio da minha cabeça ou se realmente Caleb estava mudando.

O vizinho Where stories live. Discover now