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Meu pai consertava coisas, e isso para algumas pessoas pode não parecer grandioso, mas pra mim era incrível vê-lo dedicar grande parte do seu tempo dando vida a coisas que antes eram consideradas inúteis e sem valor.

Era como se suas mãos fossem mágicas, fazendo música surgir em meio aos destroços de um rádio ou a imagem voltar para a tela apagada de uma tv.

E ele não fazia apenas isso, meu pai era um incrível faz tudo que desde de muito cedo teve que enfrentar o mundo e aprender tudo que podia para sobreviver e é por isso e por outras coisas que eu sinto muito orgulho dele.

Pois ele sempre foi o meu herói, sempre cuidou de mim, me protegeu e fez isso até o derradeiro dia em que Caleb conseguiu me tirar de casa.

Quando eu era pequena, amava me aventurar com ele em busca de coisas quebradas no lixo para restaurar. Era quase que um hobby nosso, e no meio de toda essa aventura eu encontrei uma linda caixinha de música, onde vivia uma bailarina triste e encolhida. Meu pai e eu a levamos pra casa, limpamos ela, e graças as mãos talentosas dele, ela voltou a funcionar.

Logo a pequena bailarina estava dançando alegremente outra vez.

Depois disso ele a entregou pra mim, e  disse que um dia eu seria uma bailarina tão talentosa quanto ela.

Meus olhos brilhavam, e tanto a música como as palavras do meu pai, nunca saíram dos meus ouvidos.

Enfim, talvez se o meu pai soubesse que o meu coração está quebrado, ele teria vindo correndo pra consertar, mas isso provavelmente não vai acontecer, não enquanto Caleb existir e continuar tornando minha vida impossível.

Uma lágrima escorreu pelos meus olhos e uma tristeza profunda pairou sobre o meu coração.

Sinto tanta falta deles. A última coisa que eu disse para a minha mãe foi:

"Virei visitá-la em breve".

E lembro que ela respondeu:

"Espero que sim, querida."

E no entanto já se passaram dez anos.

Não entendo por que ainda não vieram me procurar.

Depois de tanto tempo sem contato, é normal o desespero dos pais.

Dez anos da minha vida que desperdicei vivendo uma mentira ao lado de um homem que não me ama e muito menos faz um esforço para me amar.

Mas que também não me deixa ir.

Me sinto uma prisioneira em todos os sentidos.

Coloquei uma música triste pra tocar e comecei a dançar expressando por meio de gestos e passos todo o meu descontentamento, e conforme a música aumentava o ritmo, eu me contorcia captando cada letra da melodia.

E quando a música terminou, senti um vazio e ao mesmo tempo um alívio por ter colocado metade daquela energia ruim pra fora.

E eu estava ofegante e tão concentrada que nem percebi que o vizinho estava olhando pra  mim avaliando a minha performance.

Envergonhada, eu me abaixei fugindo do seu campo de visão e o pouco que consegui ver foi um breve sorriso crescer em seu rosto.

Ele tinha gostado.

E logo me bateu o arrependimento, eu o tratei tão mal, quando na verdade ele só estava tentando ser gentil.

Não acredito que ele me viu dançando feito louca.

O vizinho Where stories live. Discover now