26

504 42 7
                                    

Desde de que Vicent saiu por aquela porta, eu não tive mais notícias dele, ele não apareceu mais na janela, não veio me procurar como das outras vezes, ele simplesmente sumiu.

No começo, eu até me senti aliviada por ele ter se afastado, pois eu temia sua segurança mais do que a minha, mas então passou uma semana e eu comecei a ficar preocupada, até porque ele era o meu vizinho, não tinha como ele ter viajado sem eu ter visto.

E o seu carro ainda estava na garagem, o que era estranho.

Eu não sei se ele estava fazendo drama para que eu me sentisse culpada e corresse atrás dele, se estava apenas tentando chamar atenção, porque de acordo com o seu histórico familiar, é possível que ele seja uma pessoa carente de cuidados.

Seja lá o que for, está funcionando. Eu sinto que não deveria ter dito aquelas palavras tão duras, queria só mantê-lo longe dessa loucura.

Não quero cometer o mesmo erro que cometi no passado.

Embora eu goste dele e queira estar com ele, eu sou obrigada a abrir mão disso para mantê-lo a salvo, o que não é uma escolha muito fácil.

Sem notícias dele, eu estava começando a ficar atordoada e ansiosa.

Até paranóica, eu diria.

Ao mesmo tempo que eu tentava lidar com a frustração de não ter mais o calor do seu corpo pra me aquecer, seus beijos e o seu abraço aconchegante. Eu estou em uma profunda crise de abstinência que está me matando dia após dia junto com a incerteza de não saber onde ele está, e de não poder sair pra procurá-lo.

Talvez o corpo dele já deve estar boiando em algum lugar por aí.

Sinto calafrios só de imaginar.

Quando uma pessoa some depois de ter saído de casa após uma discussão acalorada não significa coisa boa.

Sinto que eu disse as palavras erradas para ele, sinto que fui fria demais e não deveria, na verdade eu deveria ter dito que eu o amava e adorava sua companhia e não conseguiria passar sequer um dia sem ele.

E assim essa dor seria mais suportável. Ele teria pelos menos morrido feliz e satisfeito.

Eu queria que ele estivesse aqui, me beijando e enfiando suas mãos por debaixo da minha blusa, enquanto sussurrava sacanagens no meu ouvido, queria seu corpo nu passeando pelo meu quarto depois do banho, queria está deitada em seu peito desabafando sobre meus medos e inseguranças, ele era de fato um bom ouvinte.

Ele fazia eu me sentir fora de órbita, como se eu não tivesse controle do meu próprio corpo.

Seu sumiço deixou um vazio imenso em meu peito. Uma sensação de inutilidade por não poder fazer nada a respeito.

E tudo tão suspeito.

E Caleb anda tão estranho ultimamente, o que me faz pensar que talvez ele tenha alguma coisa haver com isso.

E eu tenho os meus motivos para acreditar que ele o matou, mas não tenho provas concretas pra confronta-lo, eu não posso simplesmente apontar o dedo na cara dele e acusa-lo. Então apenas tento conviver com a ideia de que Vicent se chateou e saiu por aí a pé, bebeu todas e não conseguiu mais voltar pra casa, mas isso não faz o menor sentido.

Eu sinto que algo muito ruim aconteceu com ele, e Caleb é o único que sabe.

-- Você mal tocou na comida, está preocupada com alguma coisa? - Uma voz grossa arrepiou todos os pêlos do meu corpo.

Direcionei o olhar para Caleb à minha frente.

-- Estou sem fome - Respondi ríspida, reparando em sua expressão tranquila e serena.

-- Eu não coloquei veneno em seu prato se é o que está pensando.

-- De você pode se esperar tudo.

-- Bom, se você tivesse feito a comida, aí sim eu estaria preocupado - Ele falou sarcástico.

-- É por isso que você não me deixa mais fazer a comida, por que tem medo? - Provoquei.

-- Não, se você quisesse mesmo me matar, teria me deixado beber o suco, naquele dia.

-- Então se sente grato?

Caleb deu uma risadinha, em seguida voltou os olhos para a refeição.

-- Você não sabe o quanto eu me arrependo disso - Soltei enfurecida.

Ele me encarou, e por instante vi a raiva subir para os seus olhos, mas por mais estranho que pareça, ele se controlou e tomou um gole do suco de abacaxi que ele mesmo havia feito.

-- Você não me engana com esse seu cinismo - Falei estudando cada expressão do seu rosto afim de encontrar qualquer inconsistência.

-- É melhor você comer, ou a comida vai esfriar - Ele me olhou de uma forma, que me fez remexer na cadeira um pouco incomodada.

-- Não consigo comer - Ergui o cotovelo - Você quebrou o meu braço, não se lembra? - Resmunguei.

Ele soltou os talheres na mesa impaciente e se levantou, e eu me assustei totalmente.

-- Vai fazer o que? - Perguntei com receio, acompanhando seus movimentos com os olhos.

Ele se posicionou do meu lado, pegou o garfo e a faca, em seguida cortou um pedaço do bife.

Na hora, um pensamento inútil se passou pela minha cabeça:

"Ele vai me fazer engolir esse bife".

Mas pela forma minuciosa com que ele cortava o bife, em pequenos pedaços, me fazia crer que ele iria simplesmente colocar na minha boca.

-- Não,você não vai fazer isso - Questionei incrédula.

-- Abra a boca - Ordenou seriamente

-- Caleb, eu...

-- Ella - Ele insistiu arqueando uma sobrancelha, revelando um dos seus charmes mais notáveis.

Soltei um suspiro, em seguida abri a boca, olhando feio pra ele.

Conforme caleb colocava cuidadosamente a comida na minha boca, eu o observava atentamente.

Cada detalhe do seu belo rosto.

Eu me senti ridiculamente desconcertada com a intensidade que seus olhos azuis olhavam para a minha boca, que nem percebi que estava abrindo mais do que deveria, fazendo movimentos questionáveis.

Olhei para os seus lábios e vi que estava entre abertos e úmidos, dando a entender que talvez a minha tática de chamar sua atenção estava funcionando.

Ele parou sobre os meus olhos, e eu senti meu coração disparar, e quando eu estava prestes a beija-lo.

Ele simplesmente se afastou.

-- Acho que já está bom - Disse recolhendo os pratos da mesa e levando até a pia.

Recostei na cadeira, e passei a mão pelo cabelo completamente envergonhada pela minha atitude ridícula.

A noite depois que ele dormiu, fui até a janela na esperança de encontrar Vicent, mas me deparei com a janela do seu quarto fechada.

Depois de ficar parada ali por um tempo, o frio me consumiu, arrepiando os pêlos do meu corpo e me obrigando a voltar para a cama.

Para uma noite de insônia e solidão.

O vizinho Where stories live. Discover now