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Depois de tirar todo esse peso de suas costas. Diego, por fim, desabou.

—– Não foi sua culpa - Massageei seu ombro afim de acalma-lo.

Ele olhou pra mim e suspirou como se esperasse a vida inteira alguém falar isso pra ele.

—–  Caleb é o que é, e pronto, o trauma só despertou o que havia de pior dentro dele, ele teve diversas oportunidade de mudar e não mudou, eu até um certo ponto acreditei que ele iria mudar, sacrifiquei minha vida por isso e no final tive a pior decepção de todas.

—– Eu podia ter evitado...

Agarrei o seu rosto e o encarei profundamente.

—– Meu amor, você só tinha oito anos, e por pouco não foi vítima também.

Sua expressão era de pura dor.

Beijei cada canto do seu rosto, depois olhei pra ele e vi suas feições suavizarem, e aos poucos um sorriso foi se formando.

E eu me dei conta de que gostava mais dele assim, sorrindo.

Eu faria de tudo pra ver esse homem feliz.

—– Conheço essa culpa, ela faz a gente achar que poderia ter feito algo de diferente, que poderia ter impedido tal coisa, faz a gente se sentir culpado por nossas ações, e sentir vergonha de ter gostado daquilo que nos fazia mal. Mas a verdade e que a culpa não é nossa, e sim do outro, mas é tão difícil convencer a nós mesmos disso. De certa forma aquele episódio também foi traumático pra você, você pode não ter participado, pode não ter estado no mesmo quarto, mas você ouviu, você sentiu, e isso te marcou pra sempre, e isso te impede de odia-lo, porque aí dentro você acredita que mereceu tudo de ruim que ele te fez, mas a verdade é que você não merece pagar por algo que não fez, duas pessoas colocaram o fardo pra você carregar..e está na hora de você se livrar desse peso e seguir frente.

As lágrimas saltaram dos olhos de Diego.

Desviei o olhar e foquei em um buraco na parede, similar ao que tinha na parede do meu quarto.

—– O amor incondicional que eu sentia pelo meu pai me cegou, me impedindo de odia-lo e reconhecer as coisas horríveis que ele já fez comigo.

Ele voltou os olhos pra mim, incrédulo.

—– O seu pai machucou você?

Não tive coragem de dizer, então balancei a cabeça, positivamente, e meus olhos automaticamente se encheram de lágrimas.

A parede agora era um grande borrão de tinta branca e o meu peito ofegava por trazer de volta as lembranças que jamais vão sair da minha cabeça.

—– Por anos, eu acreditei que ele me amava e que aquela sua melhor forma de expressar, eu chamava aquilo de amor —Sorri em meio às lágrimas — Eu o chamava de papai, eu pensei que ele era o meu pai... eu bagunçava o seu cabelo e achava divertido, tudo era tão divertido com ele. Eu ia com ele para a praia, a gente passava horas, deitados na areia. Ele enfiava a mão por debaixo da minha saia e sorria pra mim, enfiava aqueles dedos sujos na minha boca e me convencia de que era legal, ele fazia parecer legal, ele me pedia pra tocá-lo, eu nunca via maldade nisso, mas conforme eu fui crescendo, comecei a sentir vergonha por ter permitido tudo aquilo, comecei a me sentir muito culpada..mas depois percebi que eu havia sofrido não só abuso físico como também psicológico e isso me afetou bastante, influenciou muito meu jeito de pensar, de agir.. com dez anos eu menstruei, com doze eu nutria sentimentos pelo vizinho da casa ao lado..com quinze eu me casei..teve períodos da minha vida que eu desejei morrer...

Fiz uma pausa para as lágrimas, e notei que Diego também ficou comovido com a minha história, pois seus olhos estavam cobertos de lágrimas.

—– Morrer, sabe — Chorei as palavras —  E eu nunca contei pra Caleb isso, porque eu nunca confiei nele, ele nunca fez eu me sentir confortável o suficiente pra contar...Eu sinto que usei ele todo esse tempo, pra me distrair da dor, pra fugir de algo que eu me recusava acreditar, e que eu não queria sentir. Eu permitia as agressões, os abusos, porque era mais suportável. No fundo, eu não queria voltar pra casa, eu não queria olhar para o meu pai de novo e lembrar da dor, eu só queria cultivar as boas lembranças que eu tinha dele, eu estava muito confusa em relação aos meus sentimentos. Quando Caleb não me satisfazia, eu procurava outras formas de fazer isso, era difícil chegar ao ápice sozinha, então passei a me relacionar com alguns homens sem que Caleb soubesse, era uma compulsão, por mais que eu tentasse, não conseguia me controlar. Depois vinha a culpa, o desespero, era como se você tivesse de dieta e comesse um grande pedaço de bolo e se arrependesse depois, eu me sentia o ser mais horrendo do mundo, e os castigos que Caleb me dava, pra mim era como uma punição, eu me odiava... Só depois que Caleb morreu que eu fui entender tudo isso, entendi que eu não o amava de verdade, mas precisava dele emocionalmente. E entendi que eu claramente preciso de ajuda.

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