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"Seus olhos parecem duas jabuticabas".

Dizia Caleb logo após um sexo violento e prazeroso, enquanto eu estava deitada em seu peito enroscando minha mão nos rasos fios de cabelos espalhados pela sua pele nua e sedosa.

"E os seus, são como duas safiras azuis"

Eu suspirava.

Ele me olhou e sorriu estupidamente para depois me beijar e me envolver em seus braços firmes.

Me lembro perfeitamente de como era essa sensação. Maravilhosa.  Eu me sentia acolhida e protegida, longe de qualquer perigo.

Seus braços eram como o meu porto seguro onde eu podia me aquecer e chorar as minhas dores e mágoas. Amava me refugiar em seu abraço.

Hoje me sinto insegura e sozinha, sinto frio mesmo com ele por perto. Seu toque é doloroso, suas mãos são frias,  e sinceramente nem sei mais o que é um beijo.

E as minhas mágoas e dores eu prefiro chorar durante o banho, pois sei que ele jamais vai me acolher e me oferecer o conforto do seu corpo.

Tudo mudou, ele mudou.

Quando ele me tirou de casa, me tirou de tudo, da minha família, dos meus amigos, e nem um celular eu tenho para me comunicar com eles. Ele não deixa praticamente ninguém chegar perto de mim. E só a ideia de alguém vir me cumprimentar o deixa extremamente irritado. Ele se tornou único e suficiente na minha vida, e costuma dizer que assim como foi o primeiro, também será o último.

Os únicos aparelhos eletrônicos que tenho acesso é somente o som e a tv, nada mais. Ele deletou todas as minhas redes sociais e simplesmente me mantém prisioneira em sua mansão imensa, vazia de amor. Então quando não passo o dia escutando música, estou provavelmente assistindo filmes ou programas de culinária que se tornaram os meus preferidos.

Pois amo cozinhar, amo tudo relacionado a comida, principalmente comer, comer até me sentir preenchida.

Eu não ficava trancada nem nada, mas ele estabeleceu limites de até onde eu poderia ir. Então a única hora que eu podia sair, era pra pôr o lixo pra fora ou assinar alguma correspondência, fora isso, era terminantemente proibido ultrapassar os limites impostos por ele que consistia entre a porta da rua e a calçada. Eu era proibida de olhar para os vizinhos, de falar com o vizinhos ou simplesmente pensar nos vizinhos, por que até isso eu temia que ele soubesse.

Fiquei triste porque um dos nossos vizinhos, o Sr Robert faleceu de ataque cardíaco em sua casa, e eu não pude nem sequer me despedir dele, muito menos ir ao seu funeral. Ele era muito amável. Um senhorzinho carismático de cabelos brancos e olhos fundos que sempre me alegrava com sua falta de memória, me chamando de Eva ao invés de Ella, que é o meu nome. Ele  sempre contava as mesmas histórias.

Sempre que possível, eu rompia a barreira só para estar em sua companhia, pra conversar com ele nem que fosse um pouco, pois ele era quem fazia a minha vida ser menos tediosa e solitária.

Enfim, sinto muita falta dele.

Caleb nunca soube da nossa amizade secreta, muito menos desconfia, e se depender de mim ele nunca vai saber.

Deixei de confiar nele há muito tempo.

Eu passava o tempo todo em casa, o que era muito tedioso, já que eu tinha assistido todos os filmes e lido todos os livros. E se bobear sei tudo de cor. Sem contar que são sempre as mesmas tarefas domésticas, e isso me esgota, eu tenho que arrumar a casa todos os dias, e ainda por cima preparar o almoço. Pois Caleb é um maníaco com questões de limpeza e não se alimenta em qualquer lugar, então sempre aparecia pra almoçar em casa, e tudo tinha que estar impecavelmente limpo ou se não segundo ele:

"Haverá consequências"

Ou seja, eu era a esposa barra empregada dele.

Negligenciada e maltratada por quem eu menos esperava.

Quem diria que a Cinderela acabaria se tornando a gata borralheira do príncipe.

Passei o espanador no sofá e no tapete e depois de tirar o pó do resto das coisas com o pano úmido, me joguei no sofá exausta e esperei até dar a hora de preparar o almoço.

—– Como foi no trabalho? — Perguntei, rompendo o silêncio perturbador que havia entre nós dois.

—– Pode me passar o molho? — Caleb pediu, me ignorando completamente.

Suspirei impaciente, depois empurrei o molho em sua direção.

Ele nem sequer agradeceu.

Também decidi ignora-lo durante o almoço. Já é desconfortável perguntar sobre essas coisas, e não ser respondida então.

Estendi a mão para pegar outro pedaço do bife, mas ele interviu agarrando-me pelo pulso.

—– Nem pensar, você já está gorda demais - Reprovou

Me recostei na cadeira, sentindo as lágrimas subirem para os meus olhos rapidamente, mas engoli o choro e reprimi a mágoa enquanto eu o assistia se levantar com o meu prato e jogar o bife no lixo.

Senti tanta raiva que precisei apertar a toalha da mesa pra não ter que voar nele.

Lancei um olhar mortal em sua direção assim que ele passou por mim.

Ele se sentou, e como se nada tivesse acontecido terminou sua refeição calmamente, depois se levantou e saiu.

Recolhi a mesa um tanto chateada e depois de lavar os pratos, seca-los e pôr em ordem no armário, subi correndo as escadas e fui para o meu quarto me olhar no espelho.

Não havia gordura alguma em meu corpo, eu estava magra, eu diria que até  mais magra do que o normal, não entendo porque ele disse aquilo. Não entendo por que ele sempre procura formas de me colocar pra baixo.

Quando não é criticando a minha aparência, é falando sobre o meu corpo, porém mesmo não concordando com ele, fui até o vaso, enfiei o dedo na garganta e vomitei tudo o que eu havia comido.

O vizinho Where stories live. Discover now