Capitulo 99 4/4

2.3K 421 304
                                    

As algemas pesavam mais e mais, os espinhos rasgando desde meus pulsos até o meio das minhas mãos, elas desceram mais com a gravidade, puxando meus pulsos deslocados para baixo e agora meus polegares também tinham saido do lugar correto, apertados dentro das algemas.

A dor irradiava pelo meu antebraço e ofuscava qualquer coisa que eu pudesse sentir, sangue sujava minha roupa, minhas mãos e ninguém tinha percebido que parte daquela enorme poçande sangue em que estavamos pisando era minha.

Estava frio. Eu não sabia se o ambiente ali era verdadeiramente frio ou se eu sentia aquilo devido a falta de sangue, mas eu sentia meu corpo inteiro gelado, gelado demais.

Minha consciência estava se esvaindo aos poucos, todo oque eu via não passava de um borrão manchado e envolto por vozes embaralhadas ao longe, como murmúrios de uma multidão, em meio a gritos e grunhidos que eu não sabia se eram meus, dos meus amigos ou de alguém do lado oposto.

Meus joelhos cedaram e braços fortes me seguraram, Cassian, em meio a um grunhido de dor, eu tinha o ajudado a levantar antes, agora, era ele quem me segurava, com os dois braços me mantendo junto ao seu peito como num abraço.

Eu escutava a voz de Cassian me chamando num sussurro, via seus olhos encarando os meus, seu rosto transtornado de dor e preocupação enquanto ele tentava me trazer de volta mas eu estava desnorteada demais, perdida demais, para responder, para sequer encara-lo de volta.

Olhei um pouco atrás dele, vi suas asas destruídas, ele perdia um pouco mais de sangue a cada vez que fazia um pouco mais de força.

Meus olhos estavam perdidos no ambiente, meus braços agora pendiam para baixo, sangue escorria pelos meus pulsos, gotejava no chão e por um momento, enquanto eu ouvia meu sangue gotejar naquela poça de sangue, fui levada de volta a quase três anos atrás, quando o luto me devorava.

Eu estava deitada no sofá do meu apartamento, o sangue gotejava na poça de sangue no piso de madeira corrida da sala, como uma torneira aberta.

Eu contava, eram duas gotas por segundo.

Uma, duas, três...

Aquele barulho das gotas ecoava em meus ouvidos, na minha cabeça, era como a paz e o desespero ao mesmo tempo e tomava conta de tudo.

Meus olhos mal conseguiam se manter abertos, o cheiro de sangue estava por toda parte, eu estava com muito frio mas sentia uma poça de sangue quente também em cima do sofá, vindo do outro braço, havia um corte de vinte centímetros em cada um, começava no pulso e se extendia até quase o meio do braço.

Foi eu quem fez os cortes, esperei até estar sozinha e os fiz, porque desisti de viver num mundo onde minha parceira tinha sido tão brutalmente tirada de mim, eu ainda vestia preto do velório acontecido a pouco, não conseguia respirar, nem pensar em outra coisa desde que vi o brilho dos olhos de Callie se apagar, para sempre.

O sangue continuava a gotejar.

Dezessete, dezoito, dezzenove...

Eu sentia, a morte, eu podia senti-la, tão próxima, ela esperava para me buscar, circulava, brincava, olhava para mim e eu a olhava de volta.

A morte. A doce e querida morte, sorria para mim apenas esperando a hora certa e então ela estendeu a mão e eu a peguei, ansiosa para ir com ela, mas a morte... ela não me levou.

Nem a dois anos atrás, nem agora.

Algo, alguém, deu tapinhas em meu rosto tentando me acordar, me levando de volta a realidade.

O rosto de Amren encarava o meu, preocupação brilhava em seus olhos, como eu nunca a vi expressar.

Olhei para os lados, tentando me situar.

Corte de chamas e pesadelosOnde histórias criam vida. Descubra agora