Capitulo 73

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Os portões de ossos da cela, ja muito familiar, do entalhador se erguiam em minha frente.

– Que visita agradável, pensei que tivesse se esquecido de mim -o entalhador não se deu ao trabalho de levantar de onde sentava num cantinho da cela. Suas pernas estavam esticadas para frente e seu tronco estava encostado na parede.

– Você sabe muito bem oque eu estava fazendo e o porque de não ter vindo, Stribog, se fazer de sonso não faz o seu estilo -disse me sentando ao seu lado.

Pude notar os ombros do entalhador tremerem quando ele deu risada sem emitir som.

– Já que está ocupada essa semana com toda essa história de guerra -ele disse tirando algum pó que eu não conseguia ver de sua roupa – Imagino que tenha perguntas a fazer

– Tenho mas antes eu gostaria de conversar sobre você parar de aparecer para mim com o rosto de Callie, é bizarro, sério.

– Com quem quer que eu me pareça, com o seu grão-senhor? -a imagem de Callie tremeluziu como uma miragem e se transformou agora no rosto de Helion, em seu tamanho também.

– Ridículo ‐resmunguei o fazendo rir, sua risada ainda era a mesma, nada parecida com a de Helion. – Tem tanta atração assim por mim que tenta se parecer com eles?

– Desculpe, desculpe, foi uma piada de mau gosto eu admito -a imagem de Helion tremeluziu e então eu encarava a mim mesma. – Perdoe-me se não posso ficar invisível enquanto escolhe minha aparência, diga, como quer que eu me pareça?

– Por mais que eu goste e muito de apreciar minha própria beleza, talvez devesse se parecer com você mesmo. -sugeri – Me parece uma boa opção.

– Fora de cogitação -ele responde de imediato e o olho como quem pergunta "e porque não?" – Estou aqui desde que essa prisão foi criada, antes de Prythian ser Prythian, provavelmente não estou na minha melhor condição física, não  tenho como saber, ninguem me dá espelhos para eu possa me apreciar como você faz consigo mesma todos os dias.

– Certo, então que tal... -penso por alguns segundos, montando sua imagem em minha mente – Cabelos pretos, nem grandes como os de Cassian, nem curtos como os de Azriel, algo no meio disso

– Quer que eu me pareça com um daqueles illyrianos selvagens? -o entalhador franziu o cenho

– É claro que não -disparei franzindo o cenho – e não chame meus illyrianos de selvagens, eu seguro muito bem suas coleiras -resmunguei outra vez e a risada de Stribog tomou conta da cela.

– Tudo bem -ele bufou.

Meu cabelo, que ele exibia, tremeluziu formando um novo, no meio termo entre o dos meus amigos, como se Azriel não tivesse cortado o seu nos ultimos meses.

– Assim?

– Ótimo, que tal olhos negros? Acho que eles combinam com seu jeito assim meio sombrio.

Então foi feito, mais uma vez, meus olhos tremeluziram e se formaram num tom preto, profundo, nenhum luz era refletida ali, não que tivesse muita na cela.

– Agora por favor exiba traços masculinos, até os meus ficam bizarros com a sua voz.

Assim ele fez, seu rosto aparecendo para mim numa beleza masculina e estonteante com a pele pálida de quem não pegava sol a milênios, o maxilar marcado e as bochechas finas, lindo, misterioso e sombrio, era antigo mas não tinha aparência velha ou enrrugada, percebi que ele tentou ser o mais próximo possivel de sua aparência real, ou pelo menos da que ele se lembrava.

– Então, faça suas perguntas.

– Eu trouxe vinho para não te deixar de mãos abanando -entreguei a garrafa para ele e conjurei duas taças com magia.

– Você mata um monte de gente na cidade escavada, é tão dificil assim me trazer ossos? -ele franziu o cenho cruzando os braços - entalha-los é um ótimo passatempo

– Eu acho que esculpir ossos é uma vibe tão deprê.

– Só você por de ser depremida agora?

– Mas é claro, se todos fomos deprimidos quem vai me impedir de cometer suicídio?

– É um bom argumento-ele diz segurando a risada.

– Porque não tenta tricô?

– Tenho cara de quem vai se dar bem com tricô? -ele perguntou me olhando

– Gente da sua idade custuma adorar  -dei de ombros

A gargalhada de stribog soou pela sala mas não estava alegre como da ultima vez que vim, parecia pesada, triste.

– Oque aconteceu? -perguntei baixo

Então percebi, não era hora de falar sobre mim, de fazer perguntas que me ajudariam.

Stribog levantou o olhar para mim e me perguntei se em todo esse tempo que está aqui, alguém tinha se dado ao trabalho de perguntar como ele se sente em relação a tudo isso antes de apenas usa-lo para receber informações.

Apenas esperei, esperei que ele reunisse as palavras, talvez coragem, para falar oque havia de errado.

– Há dias, como hoje, que acordo pensando se vou voltar a ver a luz do sol ou se vou passar a eternidade aqui. -ele diz encarando a parede a nossa frente – Antes eu achava que estar aqui dentro era melhor que estar do lado fora, que pelo menos meus irmãos não podiam me alcançar enquanto estivesse preso mas me pergunto se não teria sido melhor morrer livre no mundo do que ficar vivo e preso aqui, sozinho e sendo devorado pela completa escuridão dia após dia ouvindo esses vermes arranharem as paredes, para sempre agora me parece tempo demais.

Eu o observava enquanto falava então me imaginei aqui, a porta da cela completamente selada sem a luz feérica que eu tinha trago, imaginei estar aqui por dias, anos, décadas, séculos, sozinha e trancafiada sem poder ao menos ver a luz do dia e ouvindo aqueles arranhões de criaturas ja completamente perturbadas pelo tempo que estão aqui.

Aquilo me parecia apavorante e eu não tinha passado por nada disso, eu podia sair e entrar a hora que quisesse.

– Eu não posso te tirar daqui -disse em tom baixo – mas posso te oferecer companhia, distração, virei aqui dia sim dia não, no fim da tarde e ficarei algumas horas, trarei luz e comida, acho que minha voz não é tão ruim de ouvir quanto os arranhões

– Não... -ele deu uma risada fraca – com certeza não.

Ficamos em silêncio por um tempo não era um silêncio desconfortável, eu estava olhando os ossos entalhados por Stribog, até que encontrei aqueles mesmos desenhos que estavam entalhados no livro de metal e me lembrei do que realmente vim fazer aqui, do porque de eu ter subido toda essa maldita montanha.

– Oque esses desenhos significam? -perguntei a ele

– Desenhos? -ele franziu o cenho e indiquei com o queixo os desenhos dos quais me referia – Ah, são escrituras numa lingua antiga.

– Se as escreveu, quer dizer que sabe como le-las... -sussurrei para mim mesma

– Oque se passa nessa sua cabecinha mirabolante? -ele perguntou se virando para mim.

– Vou te mostrar uma coisa mas preciso que confie em mim o suficiente para me deixar entrar em sua mente também preciso que deixe sua alma de fofoqueiro de lado em relação a isso, ninguém pode saber.

– Nem mesmo suas irmãs ou Rhys? ou seu grão-senhor?

– Ninguem além de você e eu -respondi em tom firme, um sorriso malicioso e antigo surgiu no rosto de stribog.

– Certo mestiça, faça seu truque mas não vasculhe minha cabeça -ele estendeu a mão para mim – temos um acordo?

Peguei sua mão, seu aperto era firme e assim continuou quando eu deslizei para sua mente e lhe mostrei aquela memória em que o homem fazia desenhos em meu corpo com sangue.

O rosto do entalhador pareceu ter perdido todo o pouco de cor que exibia.

– Parece que você conheceu meu queridissimo irmão -não havia diversão em sua voz.

Corte de chamas e pesadelosWhere stories live. Discover now