Capitulo 62

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De onde Helion e eu estavamos, eu conseguia sentir o cheiro do mar próximo a nós e ouvir o barulho das poucas ondas se quebrando e se misturando a música e as vozes dos membros da corte.

– Tire seus sapatos se quiser conseguir dar mais de dois passos na areia -Helion sugeriu assim que encontramos o solo depois de atravessar.

– Areia? -perguntei confusa juntando as sobrancelhas oque o fez dar uma risada baixa.

– As gerações anteriores da minha familia diziam que deixar os pés livres em contato com o solo nos ajudava a entrar em harmonia com a natureza, virou uma tradição celebrarmos a maioria das festividades descalços e na praia. -ele explicou

– Então quem tem pés feios sofre em sua corte, ainda bem que o caldeirão fez os meus bonitos -respondi o fazendo rir e tirei os sapatos que Mor havia me emprestado mais cedo.

– Agradeço todos os dias pelos meus também -ele disse com um sorriso e rapidamente também ficou descalço –Vamos? Minha corte deve estar se perguntando porque diabos estou demorando tanto para aparecer, o pôr do sol será logo.

Tomei o braço de Helion sem que mesmo precisasse pedir e então ele me guiou até a praia, a alguns metros de distância da casa.

Assim que aparecemos no topo da escada que dava até a areia, toda a corte se virou para nos observar e se curvaram, não para mim, obviamente, mas para o grão-senhor a minha esquerda.

Mantive a postura ereta enquanto descia a escada, tão reta quanto estaria se tivesse uma madeira arramada as costas e pelos olhares admirados qie lançaram a mim, soube que Helion não estava brincando quanto a dona da tiara em minha cabeça.

Assim que chegamos ao fim da escada as pesosas ja tinham desviado a atenção de nós, ou pelo menos a maioria delas, algumas ainda olhavam disfarçadamente e sussurravam para a pessoa mais proxima, não sei por qual motivo mas me senti aliviada quando consegui ouvir alguns dos sussurros e percebi que não eram coisas ruins mas ainda eram a meu respeito.

Quando passamos entre as pessoas algumas das fêmeas acenavam para mim com a cabeça e mantinham um sorriso no rosto, na maioria das vezes sincero mas notei que algumas delas forçava simpatia para mim e afinava a voz como um esquilo quando iam falar com Helion lhe lançando olhares sugestivos cujo ele ignorava completamente.

Duas taças de vinho foram trazidas a nós por uma feérica "inferior" que pareceu surpresa por eu ter agradecido a ela pela gentileza, meu simples "obrigada" fez a fêmea sorrir e fazer uma longa reverência para mim até quase encostar o joelho no chão.

"Feéricos inferiores", eu odiava aquela nomenclatura, odiava ainda mais quem de fato os tratava como inferiores.

– Devo dizer, você sabe mesmo como manter tradições em segredo -disse por cima da musica enquanto era guiada pela praia – passei o dia de ontem inteiro perguntando a um monte de gente se alguem sabia do que se tratava o Wag e ninguem soube me dizer qualquer coisa além de "é uma celebração da corte diurna" como se eu ja não soubesse disso.

– Pelo menos assim eu mesmo posso explicar -ele respondeu observando o nosso redor – o Wag é uma festa dedicada honrar os mortos e celebrar suas almas para que adentrem a eternidade.

– E oque fazemos para honra-los e celebrar suas almas? -perguntei realmente interessada no assunto

– Na pratica? Depois do por do sol nos embebedamos e dançamos até cair.

– E antes dele?

– Escrevemos os nomes de quem queremos honrar num pequeno barco de papel e deixamos que o mar os leve.

Eu sabia qual nome iria escrever, sabia qual nome deveria honrar e qual deveria deixar de lado.

– Acha tolice? -helion perguntou me fazendo perceber que eu o encarava sem saber oque dizer

– Não, eu... -precisei se um segundo para processar as palavras – Na verdade eu acho lindo.

O rosto de Helion se iluminar, literalmente, um brilho muito sutil surgiu em sua pele quando ele sorriu para mim.

– Então venha, o sol está quase se pondo, é o momento perfeito -ele me puxou pela mão até uma espécie de tenda onde estavam incontáveis barquinhos de papel

– É hora dos barcos! -alguém gritou pela praia.

Helion entregou um dos barquinhos a mim junto de uma caneta/pena e também pegou um para ele, não me permiti ser enxerida o suficiente para perguntar o nome de quem ele escrevia, não quando eu não falaria se alguem perguntasse sobre o meu.

No canto do meu barquinho tinha um unico nome, uma unica pessoa a quem honrar:

"Callithea Archeron Coren"

Me recusei a por o nome da minha mãe, para mim, ela não tinha nada a que ser honrada, nada de bom a que ser lembrada.

Notei que todos iam até a o mar e adentravam o mesmo até que a água cobrisse seus joelhos, colocavam seus barcos na água e então observavam até que eles tivessem sumido e então sabiam que o mar tinha guiado as almas de seus ente queridos até a eternidade.

Helion estava controlando o vento da praia, percebi, o mar estava calmo, parecia mais uma piscina que sumia no horizonte interminável que se fundia a uma linha do céu rosa-alaranjado.

Segui até o mar para fazer o mesmo que o restante da corte, para deixar que o mar levasse a alma de minha esposa até a eternidade.

Um nó se formou em minha garganta abaixei em direção da água e coloquei cuidadosamente na água e o empurrei o fazendo deslizar para longe e então observei, tentando engolir o nó da minha garganta que crescia a cada metro de distância que o barco tomava de mim, de nós, percebi, Helion estava agora parado ao meu lado, seu barco também fora levado para longe pela maré e ele o observava com cautela.

Eu odiava chorar em público e tentei, tentei de verdade evitar tal coisa, mas não pude segurar as lágrimas silenciosas que deslizaram pela minha bochecha, até meu queixo.

Helion notou minhas lágrimas e fingiu não ter visto, ou tentou fingir, mas estava inquieto como se fosse um esforço enorme continuar olhando para o horizonte e não se meter na situação, ele falhou nisso quando levou as mãos cuidadosas até minhas bochechas e ergueu meu rosto me fazendo encara-lo.

– o Wag, é para horarmos os mortos, não lamenta-los -ele disse com a voz mais suave do que eu poderia um dia imaginar vindo de alguém daquele tamanho. -ele disse com a voz suave, tão suave quanto pensei ser impossivel para alguém daquele tamanho.

Seus olhos encaravam os meus, havia preocupação em seu rosto, como no dia em que me encontrou na sala dos pergaminhos.

– Não lamente, a pessoa que você perdeu, eu não sei quem era, oque significava para você mas sei que ela está em paz e que quer vê-la sorrindo, sendo feliz e não derramando lágrimas -Helion secou minhas bochechas com os polegares.

Eu sabia que estavamos sendo observados pelas corte, sabia também que não podiam nos ouvir, eu conseguia sentir a magia do escudo de vento sólido que foi colocado ao nosso redor.

– Acredite em mim quando digo que é doloroso ver você chorar. -sua voz era baixa, cautelosa e imprudente ao mesmo tempo.

Helion me puxou para ele, sempre cuidadoso, sempre respeitoso, seu braço deslizou pelas minhas costas expostas enquanto a outra mão adentrou meu cabelo e amparou minha cabeça em seu peito.

Eu pensei em empurra-lo para longe, em me afastar, em voltar para Velaris em dizer para que jamais tocasse em mim outra vez, pensei, mas não fiz, não consegui ou pior, não queria.

Corte de chamas e pesadelosOnde histórias criam vida. Descubra agora