Cem dólares

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          Quando longe o bastante para que fosse seguida por alguém, Blair se aproveitou de um sinal vermelho e saltou do caminhão de lixo assim que ele parou, respeitando o semáforo. Fedida. Toda suja. Cansada. Ferida em um dos braços. Ralada em várias regiões diferentes. Mas... Viva. Tão viva que pôde sentir perfeitamente bem o combo da desgraça açoitar todo o seu corpo. Quando aterrissou no chão logo após abandonar seu veículo de fuga, suas pernas bambearam devido ao estado precário de suas energias. Encontrava-se sem muita força. Cambaleou até a calçada, rapidamente se apoiando em uma das paredes, e tomou algumas profundas respirações antes de adentrar a um beco qualquer.

         Sentando-se no chão, ao lado escondido de uma caçamba de lixo, rasgou a barra inferior de sua camiseta e usou o retalho como atadura para estancar o sangramento de seu braço ferido. Seu coração martelava agitado contra sua caixa torácica, provavelmente por causa de toda a adrenalina que ainda percorria suas veias.

        Ainda não podia acreditar em seu próprio triunfo. Com certeza daria um bom filme algum dia, igual àquela cena em que impediu o bandido do Tookie de fugir do asilo ao lhe acertar com uma bengala de ferro. Um pouco inconsequente? Sim, especialmente quando entrou em uma via de mão única e, loucamente, costurou com maestria os carros que vinham no sentido oposto ao seu, mas só de não ter causado nenhum acidente drástico já era uma vitória. Tinha de ganhar alguns créditos com a vida por ter contornado tão bem a situação. Não matou ninguém, não se matou, não deixou ninguém com sequelas nem nada parecido. Ou seja, a verdadeira heroína. Deus com certeza estava orgulho, ela conseguia sentir os olhos dEle sobre si. Tamo junto, Pai. Valeu aí pela ajuda.

          Recostada na parede imunda daquele lugar, fechou os olhos e agradeceu por tudo. Uma oração silenciosa. E aproveitou para descansar por alguns poucos minutos. Poucos mesmo, porque ainda tinha muito a fazer. Uma fase tinha sido concluída com sucesso, porém havia muitas a frente para serem ultrapassadas. Se em outra ocasião, certamente resmungaria aos quatro ventos o quanto só queria ter um momento de paz, mas, depois de ter passado por toda aquela merda, entendeu que a paz que idealizava tanto naquele mísero instante só teria conseguido se estivesse morta, algo que não desejava nem um pouco, então se alimentou do frenesi de estar viva e respirando para se levantar do chão e colocar sua mente para pensar em seu próximo movimento.

          Parecia uma mendiga. Maltrapilha. Com os cabelos bagunçados e a roupa toda rasgada e suja, mas foi exatamente assim mesmo que ela saiu do beco em busca de alguma loja. Tinha alguns poucos dólares guardados dentro de seu boot, a reserva de ultra emergência que carregava consigo para onde ia para o caso de precisar de dinheiro por alguma razão extrema. Ficava armazenado na sola de seu pé, no espaço entre sua meia e o sapato de couro. Nunca foi tão feliz por ser uma pessoa precavida. Se fosse pela cabeça de sua irmã, que achava que guardar dinheiro era perda de oportunidade, continuaria fedida, horrorosa e incomunicável.

           Cem dólares.

           Levando em consideração que Bowser ouvira tudo o que aconteceu antes e depois do triste fim do Volt dos Wesley, com certeza ele estava naquele momento surtando de preocupação ao acreditar que ela tinha sofrido algum tipo de acidente. E, mais ainda, sabendo que a polícia estivera atrás de si ao ponto de presenciar toda a loucura se desenrolar diante de seus olhos, além de os tiras terem agora o veículo destruído sob sua cautela, com certeza contatariam Anderson, responsável pelo carro, para explicar a ele sobre o ocorrido. Então, em total desespero, o Sr. Wesley falaria com a Sra. Wesley e os dois ligariam para a Sterling, com certeza, porque seu próprio celular ficou caído no chão do Volt e, portanto, até o presente instante estava incomunicável. Previsivelmente Sterling entraria em parafusos também e, no final das contas, April e ela não seguiriam com a merda do plano por estarem muito ocupadas tentando entender o que acontecera consigo.

         Resumindo: tinha de comprar um celular pré-pago para fazer algumas ligações necessárias. Sua sorte era que sua memória era boa, sendo assim tinha alguns números gravados na cabeça: o de seu parceiro e o de sua irmã eram um deles.

          Na primeira e segunda lojas que entrou, pediram para que ela se retirasse devido ao seu estado caótico estar espantando os clientes. Filhos da puta. Na terceira, ela sequer conseguiu entrar. Na quarta, as pessoas em volta ficaram olhando para ela com reprovação, embora não tivessem dito nada. Era melhor que tivessem. Ela própria não quis ficar e se retirou. Já na quinta tentativa, cansada demais para passar pela mesma frustração novamente, fez o seguinte: ela chamou de canto um grupo de três meninos adolescentes que passavam na rua, aqueles típicos garotos que aparentemente estavam entrando na puberdade, e pediu que eles lhe fizessem o favor de comprar um celular pré-pago, um desodorante, uma camiseta e um biscoito qualquer, visto que, pelo seu estado, os donos dos estabelecimentos estavam barrando-na.

– Também pudera, né. – um deles disse e os amigos riram. – Desculpa aí, mas você está um horror. Sorte que é bonita.

– Valeu pelo elogio, cara. Eu realmente pedi a sua opinião. – devolveu ela sem muita paciência. Mais risos. O que se pronunciou ergueu os braços em rendição, como se debochasse. – Vai poder me ajudar ou não?

– Se eu disser "sim", ganho um beijo seu?

        E é claro que o grupinho achou graça da proposta inusitada. Um idiota atraía outro.

        Blair o encarou com descrença e quis lhe dar um cascudo no meio da testa para que deixasse de ser um babaca. É cada coisa, sinceramente! Respirando fundo, ela torceu a boca.

– Garoto, você tem o quê... Doze anos?

– Treze. – ele imediatamente a corrigiu, aprumando-se um pouco para forçar a imagem de pessoa mais velha.

        Com a tentativa falha, ela sorriu.

– Por que não faz assim: em vez de deixar bem claro pra mim que você é um imbecil mirim, que tal gastar energia se tornando um homem de verdade? 

         O jovenzinho travou no mesmo instante, não esperava que ela lhe desse tal resposta. Suas bochechas ficaram rosadas de vergonha. Os amigos, surpresos, não souberam se riam da cara do outro ou se ficavam sérios para não sofrerem com o mesmo retruque.

        Ganhando sua posição de vantagem, Blair conduziu a situação a partir dali.

– Se puderem me ajudar sem nenhuma gracinha, deixo que fiquem com o troco. – ela pôs as cartas na mesa. – Mas se fugirem com o meu dinheiro, eu vou atrás de vocês. E, bom, acho que vocês não vão querer me ver com raiva... Nem tampouco correndo com raiva. – deixou avisado para não haver erros. – Se pensam que esses ferimentos me impedem de fazer alguma coisa, é porque não sabem o que me levou a estar nesse estado. – e seu rosto se moldou para reforçar o efeito da ameaça. Por dentro, entretanto, ela gargalhava da fisionomia dos garotos. – Então... Fechado?

          Eles assentiram quase que imediatamente, mais por medo do que por qualquer outra coisa e, depois de estarem com os cem dólares em mãos, rapidamente foram até a loja para ela.

– Tragam uma lata de refrigerante também, por favor. – gritou para os três antes de vê-los adentrar o estabelecimento. – Pepsi.

         Mas não teve certeza se fora ouvida.

     

Teenage Bounty Hunters 2 (Stepril)Where stories live. Discover now