Fique

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             Quando April abriu a porta, revelando seu quarto, Sterling tomou a liberdade de adentrar ao cômodo depois de vê-la dar-lhe espaço. Observou tudo com certa discrição e seus olhos percorreram canto por canto sem parecer uma bisbilhoteira. Sobre a cabeceira da cama dela, havia um APRIL escrito com letras gigantes na parede; o tom de cor do lugar era um verde agradável, clarinho. Lembrou-se de ter tido essa visão enquanto conversava com ela por chamada de vídeo logo depois de ter discutido com Blair em Nandina.

             Num espaço próximo à escrivaninha, esta que ficava defronte à cama, havia prateleiras com diversos troféus, um ao lado do outro, e muitas medalhas. O laptop, a bíblia, blocos de notas, um porta-canetas com várias canetas coloridas estavam distribuídas pela mesa. Havia também uma barra de balé mediana presa a uma das paredes, um porta retrato de uma garotinha numa apresentação sobre o criado-mudo (ela quando criança, provavelmente) e uma sapatilha pequena roxa pendurada pelas fitas na penteadeira, decorativa, e Sterling inferiu que talvez ela fosse bailarina.

              O closet estava entreaberto e a porta do banheiro, fechada. Espalhados pelo quarto, havia dois puffs cor verde e uma poltrona recostada na parede esquerda à cama, como se estivesse ali para quando ela quisesse sentar para ler.

— Eu nem lembro quando foi a última vez que eu vim aqui. — comentou Sterling de repente, puxando conversa. O silêncio era incômodo. — Devíamos ter o que... Oito, nove anos?

— É, por aí. — April respondeu com secura.

— Lembro de uma boneca de pano que você tinha. Amélia, o nome, se não me engano. Você não deixava que ninguém além de mim brincasse com ela. Nós duas éramos a mãe. — ela riu um pouco com a lembrança. — A gente levava ela para todos os lugares. Alimentávamos, fingíamos que dávamos banho e ela era a única que não ia para o baú de brinquedos. Ficava sempre sobre a sua cama.

              Stevens franziu o cenho, séria, e cruzou os braços sobre o peito ao parar ao meio do quarto. Encarou Sterling.

— Tá. Ok. Pode parar com isso aí. Onde é que você está querendo chegar, afinal?

             Com o corte abrupto, a loura desfez o sorriso imediatamente e suspirou, cansada.

— Não precisa dar essa volta ao mundo, não. Falando assim, parece até que se importava com a amizade que a gente tinha.

             E lá estavam elas voltando ao início.

— Eu não estou querendo chegar a lugar nenhum, April, pelo amor de Deus! — retrucou, impaciente. — Será que dá para abaixar as suas armas um pouco, por favor?

              Diante da palavra mágica usada com certa súplica, foi como se a chave tivesse girado. Stevens travou durante um instante. Engoliu em seco, ressentida, mas não disse nada. Não respondeu. Porém quem cala, consente, certo? Entende-se, então, que era um sim: ela concordou em não atacar. Sentou-se na beirada da cama, o rosto ainda com traços da seriedade, o maxilar travado. Sterling, por sua vez, optou por ficar de pé.

— Eu sei o porquê de você estar agindo assim. — Wesley pontuou, resoluta. — Eu provavelmente faria o mesmo, se em seu lugar. Mas, não sei se lembra, eu também tenho razões para ficar com raiva de toda essa situação. Mesmo assim, não estou nem um pouco afim de trocar farpas com você. Seria muito fácil eu apontar o dedo para o seu rosto e te machucar com palavras, mas não é o que eu quero.

               April respirou fundo.

— Será que nós podemos ter uma conversa normal?

              Embora seu orgulho fosse um guerreiro forte, Stevens cedeu vagarosamente. Acenou com a cabeça. Reflexo de sua alegria, Sterling esboçou um pequeno sorriso.

— Ok. — pigarreou para limpar a garganta. — Uh... Eu v-

— Quem era a garota que estava com você àquele dia? — foi direta ao ponto, sem cerimônia. Seus olhos verdes brilhavam com intensidade.

                Wesley coçou a testa, intrigada e surpresa com o disparo, apesar de imaginar que esse questionamento surgiria em alguma oportunidade.

— É a Alicia. — disse, e iria parar por aí, mas sabia que a pergunta feita clamava por uma resposta mais completa. — Eu a conheci numa festa de universidade, porém só começamos a conversar mesmo recentemente.

— E por que vocês pareciam um casal?

               Instigante. Seu tom de voz principalmente, como se ela soubesse exatamente o que você tinha feito no verão anterior e só estivesse esperando que você se entregasse. Quase uma armadilha de ratos. Sterling pensou muito numa resposta, filtrou suas próprias palavras para não se perder no raciocínio e acabar dizendo alguma besteira. No final das contas, porém, não tinha muito o que confessar além de:

— Porque estávamos num encontro.

                April ingeriu essa verdade como uma boa dose de Whisky puro. Amargo. Desceu queimando em sua garganta, mas ela escondeu a careta desgostosa. Esforçou-se para manter o rosto impassível.

— Então... Vocês estão namorando?

— Não, April. — Sterling negou instantaneamente. — Não estou namorando com ninguém. E nem pretendo. Não agora. Eu queria você. Eu quero você. Eu queria namorar com você e já deixei isso claro mais de uma vez. Entretanto, decidi que não valeria a pena esperar por você enquanto te via se engraçando com o Luke bem na minha frente. Não importa se homens não te atraiam! Não tenho sangue de barata para ver esse tipo de coisa e aguentar tudo como se não me afetasse. — exaltou-se um pouco. — Então decidi tentar com outras pessoas. Decidi que não esperaria você se acertar com a sua família, não enquanto você continuasse a me tratar como se não tivéssemos tid-

              E antes que Sterling tivesse a chance de terminar a frase, foi calada com um beijo que viera abrupto, desesperado, necessitado. As mãos de April seguraram o rosto da garota com o intuito de trazê-la mais para si, possessiva. E o susto inicial deixaram-nas estáticas, mas ele foi se suavizando pouco a pouco. Os músculos tensos relaxaram, o vinco ao meio da testa desapareceu e os olhos se fecharam lentamente, entregando-se ao que viria, fosse o que fosse.

               Os lábios pressionados um ao outro se moveram como uma composição serena de Beethoven. Delicados, dessa vez. Textura. Sensações. Deslizar de línguas, que eram gentis ao navegar uma na outra, explorando cada canto com minúcia. Corações agitados. Toques, cujas digitais se perdiam por onde percorriam: pescoço, ombros, costas, braços. Havia tanto querer, tanta saudade naquela troca de carícia que lágrimas caíram dos olhos de April, molhando ambos os rostos; salgando o doce com uma pitada sutil. E a cada suspirar, a cada necessidade de fôlego, elas se encontravam mais.

                Quando se afastaram, afastaram-se apenas o suficiente para que pudessem colar suas testas. Respirações ligeiramente ofegantes. Olhos fechados.

— Sei que não tenho te oferecido muito. Sei que pedir para você me esperar seria egoísmo. Também sei que não posso ficar com raiva por você ter seguido em frente com outra pessoa, embora eu inegavelmente tenha ficado. Mas eu ainda estou apaixonada por você e não sei lidar. Eu quero você e você, mais ninguém. — sussurrou a Stevens, os lábios trêmulos. — Por favor, fique.

Teenage Bounty Hunters 2 (Stepril)Where stories live. Discover now