Carreira solo

823 105 18
                                    

         Sterling andava de um lado a outro sem parar. Ansiosa demais, impaciente demais pela demora que nem era tanta, culpando-se intimamente por ter tido aquela ideia. Mais um pouco e faria um buraco no meio da sala de espera. Cogitou ir embora, porém já estava ali, não tinha como voltar atrás. Ou será que tinha? Bom, mesmo que tivesse, Blair não deixaria, de qualquer maneira. Seus dedos, tão inquietos quanto ela mesma, brincavam entre si como cães. Era a própria personificação da inquietude.

         As gêmeas ainda não se falavam, mas a mais velha fez questão de ir como companhia. Nem pensou duas vezes, assim como nem foi preciso que seus pais lhe pedissem: voluntariou-se no mesmo instante. O fato era que, independente de qualquer coisa, por mais que dificilmente fosse confessar em palavras, sentia-se na responsabilidade de cuidar da irmã. Era o seu dever mais importante. Portanto, depois de preencher a papelada com os dados da mais nova, encontrava-se bem ali: sentada em um dos muitos bancos vazios com uma revista em mãos. Em outra ocasião, reclamaria pela impaciência da outra, mas daquela vez, não. Primeiro porque não queria alimentar nenhuma conversa e segundo porque a compreendia, apesar de não saber exatamente como ela se sentia por dentro.

        Tocava jazz como som ambiente.

        Era quinta feira, 7h28 da manhã. Elas não foram à aula, certamente, e os senhores Wesley ligaram para a Escola durante o café para avisar sobre as faltas. Chegaram no consultório não fazia nem quinze minutos ainda e, salvo a recepcionista, somente as duas estavam ali naquele horário, que fora marcado bem em cima da hora no dia anterior. Estavam na Psicóloga. A doutora tinha acabado de chegar.

        Tinha sido a própria Sterling quem pediu para ir. Ela bem sabia que, caso não fosse, provavelmente surtaria muito em breve. Foi durante o jantar, os pais conversavam sobre aleatoriedades entre eles mesmos enquanto Blair estava alheia a tudo, como sempre. Sterl jogou a informação num momento oportuno, para a surpresa dos três, e não deu muitas explicações sobre o porquê, porém eles bem imaginavam a razão, especialmente Blair, visto tudo o que ocorrera nos últimos dias/meses. Recebeu todo o apoio. Então, antes que ela sequer cogitasse mudar de ideia, eles já estavam com o telefone em mãos para marcar uma consulta com a Dra. Jansen.

        Um acúmulo de informações ocasionou a falha no sistema. Em algum momento isso iria acontecer.

        Sexualidade. Término com o Luke. Descoberta de sua orientação sexual. Paixão inesperada por uma garota. Relacionamento às escondidas. A mãe como uma possível mafiosa. Briga com a Blair. Acantonamento. Decepção. Luke e April. Término. John Stevens solto. Sequestro. Dana como sua mãe. John Stevens arquitetando contra os Wesley. Anderson como sócio de John Stevens. April. Ciúmes. Alicia. Luke e April se beijando. Seus próprios conflitos emocionais. Inseguranças. John Stevens e o almoço. O quase sexo. A indecisão sobre ficar ou não ficar. Alicia. Um mês. A decisão de seguir adiante. A falta de coragem de dizer a verdade consumindo a sua pouca sanidade. Briga com a Blair de novo. Confronto com April.

        A carga emocional de Sterling era tão grande que ela quase colapsou. Ignorou os sinais desde o começo, acreditando que não passavam de bobagens, que eram coisas com as quais conseguiria lidar perfeitamente bem. É claro que não conseguiu. No fundo, no fundo, ela tinha ciência de que precisava de ajuda para se curar, apesar de recusar veementemente buscar alguma. Ajuda para organizar a sua mente e para gerenciar os seus problemas, a fim de que eles não se tornassem maior que ela própria. Quase chegou neste ponto.

        Não que fosse uma justificativa para alguma coisa, devo mencionar. Sterling não era nenhuma santa. Se tinha maturidade para entender certas questões, com certeza tinha maturidade para se responsabilizar por suas atitudes. Suas burrices eram consequências de suas más escolhas. Sim, é verdade que ainda era só uma adolescente de dezesseis anos em fase de desenvolvimento e que errar fazia parte do processo de evolução. Entretanto, eximi-la da colheita não era ajudá-la a aprender com seus próprios erros, e sim perpetuá-la nas masmorras da ignorância. Faltava-lhe amadurecimento, e o amadurecimento só viria com as experiências. Faltava-lhe entendimento para compreender certas nuances e ela bem sabia que só conseguiria atingir este entendimento quando parasse por um instante para avaliar o caminho pelo qual estava seguindo.

        Quando disse não a April com a desculpa de que ficar não faria bem a sua saúde mental, ela disse sim para si mesma. É bem difícil você tentar erguer uma pessoa, quando você mesma está tentando a custo se manter de pé. As duas precisavam encontrar seus caminhos, porque, caso contrário, seriam inevitavelmente tóxicas uma para com a outra. Precisavam resolver seus problemas emocionais antes que virassem uma bola de neve gigantesca e as duas saíssem mais machucadas do que saíram. April não poderia ajudá-la nem tampouco ela poderia ajudar April. Eram carreiras solos. Carreiras solos que até poderiam vir a se transformar num duo, mas futuramente. Se Sterl tivesse dito sim naquele momento, teria sido inconsequente e irresponsável, porque certamente postergaria um problema que clamava por uma solução urgente há meses. Sua saúde mental já estava comprometida há tempos e tendia a piorar, mas ela só foi verdadeiramente se dar conta disso quando a Stevens a confrontou na biblioteca no dia anterior.

        Que bom que o fez.

— Srta. Wesley. — uma mulher de meia idade, estatura mediana, chamou a atenção de Sterling com um sorriso educado nos lábios. A voz era calma, gentil. Estava parada no meio da porta que acabara de abrir. — Vamos?

        A menina, angustiada, imediatamente buscou os olhos da irmã, que tinha erguido-os da revista para observar a cena. Sterling precisava de sua benção, isto é, de sua aprovação para decidir se iria mesmo ou se não. Blair percebeu. Então, para lhe passar confiança, ergueu o polegar direito e assentiu com a cabeça sutilmente em concordância.

       Ela respirou fundo, o tórax se expandindo, e voltou-se para a doutora.

— Sim... Vamos.

      E a acompanhou para dentro da sala.

     

Teenage Bounty Hunters 2 (Stepril)Where stories live. Discover now