Longa história

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           A conclusão a que April chegou quando se viu dentro de um teatro arquitetado pelo próprio destino foi que a vida realmente não seguia nenhum tipo de roteiro. Era tudo na base do improviso. E que merda de improviso! Se a intenção era rir da cara dela, bastava apenas pegar a pipoca e assistir sentado no sofá ao estado deplorável em que ela se encontrava. Pronto. Não existia propósito em pregá-la uma peça! Mas quem é que iria discutir com o acaso, afinal!?

         Adele Meisner. Seu primeiro amor.

         Por quê?

         O que ela estava fazendo ali, depois de tantos anos? Por Cristo!

        April não pensava nela há anos e anos. O sentimento, que outrora era extremamente intenso dentro de seu coração, ficara adormecido num canto esquecido, cheio de poeira e teia de aranha. E ele foi despertado. Foi despertado abruptamente, sem nenhum aviso, sem nenhuma cerimônia. Sonolento, espreguiçou-se e foi tomando forma pouco a pouco. Não mais com a mesma intensidade, até porque envelhecera, não tinha mais tanta energia como quando mais jovem, mas ainda estava bem ali e se alastrou pelo corpo dela como um veneno. E talvez fosse essa a palavra certa: veneno. Que outro adjetivo daria a ele, se não esse? Adele só poderia ser a porcaria de um teste de Deus.

        Quando April estivera com Sterling para o primeiro encontro no Skee-Ball e contara como havia se descoberto gay ou até mesmo quando conversara com o irmão em seu quarto sobre exatamente o mesmo assunto, mencionar o nome de Meisner não tivera efeito algum dentro de si, justamente porque nem mais se lembrava do rosto ou da forma como se sentia quando perto de Adele. Comentar sobre este passado foi como comentar sobre a previsão do tempo, uma lembrança sem cheiro nem gosto. Entretanto... Estar diante dela alterava um pouco a química das coisas. Foi inevitável não se sentir balançada com o reencontro.

        Os lábios carnudos estavam pintados com um batom claro, mas que desenharam-nos perfeitamente. Os olhos cor castanhos, marcados com o lápis. Os cabelos longos agora dourados, originalmente eram pretos, mas o loiro lhe caiu bem. Muito bem, até. Deu a ela um novo rosto, uma aparência tão bonita quanto a antiga, porém mais imponente. Provavelmente deixando para trás a Adele medrosa e frágil para dar vida a sua nova personalidade. Ou, melhor, abrindo espaço para a sua personalidade de sempre, que tomara coragem para se expôr em essência.

        A postura era impecável. O olhar, altivo. Era perscrutador, também, como se pudesse mergulhar em April e descobrir todos os segredos mais sombrios dela. Todavia, naquela cena, havia ali uma disputa por poder, em que ambas vestiram armaduras de guerreiras para se blindarem da vulnerabilidade. Da vulnerabilidade que o sentimento nostálgico podia trazer à tona. April não quis se mostrar afetada, embora inegavelmente estivesse. Engoliu o nervosismo, que desceu queimando por sua garganta, e controlou a respiração.
         
       A grande merda mesmo era o sorriso. O sorriso era a única coisa que se manteve intacto durante todos aqueles anos. Era a única coisa que não havia mudado nada e, ironicamente, havia alterado absolutamente tudo. Se não a olhasse bem, a Stevens dificilmente a reconheceria na rua, caso se esbarrassem. Mas... Se prestasse atenção apenas no sorriso, sem dúvidas o reconheceria em qualquer lugar do mundo. E Adele parecia saber do efeito que ele causava, porque não o poupou nem um pouco.

— Vocês se conhecem??? Meu Deus! — Ezequiel estava radiante com a descoberta e quase soltou um gritinho de felicidade. Segurou-se, porém. Manteve o elã. Mas a sua fisionomia exultante dizia tudo.

— Éramos amigas de infância, mas eu meio que fugi dela, sabe? — Adele sacaneou, cutucando, mas sua expressão não se alterou. Estava tão serena quanto a superfície de uma lagoa. — April sabia ser bem assustadora.

Teenage Bounty Hunters 2 (Stepril)Where stories live. Discover now