CAPÍTULO 23

385 90 15
                                    


No dia seguinte, a senhora Venoza inventou de fazermos um piquenique em um dos parques de Eleovoar. Confesso que estava fascinada pelas belas paisagens que haviam ali. Tudo era muito mais bonito que a minha cidade natal, e passava um ar de leveza, quase como um conto de fadas. Sorri olhando os campos verdes que se estendiam por dunas a fio, ao longe podíamos ver uma propriedade ou outra, mas o verde era predominante, assim como algumas árvores floridas. Estava tão entretida que nem reparei que Ryan me olhava. O encarei e ele desviou o olhar para as árvores verdes de copas enormes.

Assim que chegamos no local, os empregados montaram um pequeno espaço para nosso conforto, colocando uma toalha de piquenique no chão e me fazendo lembrar do último piquenique que tive com Yuna e Ren. Do seu olhar para mim, do meu coração acelerado e lembrei da sua frase a respeito de nunca se casar com uma empregada. Como eu fui ingênua... Senti um pouco de raiva e fechei o rosto.

O parque até que estava um pouco movimentado. Haviam alguns casais andando de um lado para o outro, grupos socializando e mulheres fofoqueiras escondendo seus comentários ácidos atrás de seus leques coloridos. Pensar que, caso me casasse com Ren, teria que lidar com este tipo de pessoas, me fazia acreditar que era melhor mesmo nunca ter tido nada com ele. Mesmo que, por ele, estava até mesmo disposta a enfrentar qualquer uma dessas coisas.

— Não está se sentindo bem? — A voz de Ryan me fez dar um solavanco, o olhei por cima do ombro e reparei que ele estava ao meu lado enquanto a senhora Venoza e Núbia já conversavam com alguns conhecidos. Suspirei.

— Apenas não gosto de misturar-me com nobres — falei a verdade. Ele piscou me olhando com curiosidade e o encarei.

— Costuma ser sempre sincera? — perguntou e eu mordi o lábio. Costumava, agora eu estou mentindo descaradamente, e toda vez que me lembrava deste fato, meu estômago embrulhava. Não queria estar mentindo para ninguém, eu não precisava disso.

— O senhor me deixa a vontade — expliquei e ele sorriu, os olhos dele sorriam também, quase como os do Ren...

— Talvez seja por que não haja expectativas da minha parte — falou e eu torci o lábio pensativa. — Não espero nada da senhorita, por isso se sente à vontade perto de mim.

— Pensar isso, me faz parecer uma pessoa extremamente limitada — retruquei voltando a olhar a paisagem e ele continuou encarando-me.

— Não, me faz apenas pensar que apenas não sabe como ser livre — disse e eu voltei a olhá-lo.

— É impossível viver livre das expectativas alheias — conclui.

— Verdade, mas é possível não se abalar sempre por elas... — replicou ele e eu voltei a olhá-lo achando-o divertido.

Era quase como se ele pudesse acompanhar meus pensamentos.

— O senhor é bom com as palavras — sorri.

— Tenho outras qualidades além de ser belo — replicou ele sorrindo.

— Minha nossa, que convencido!

— Depois de ouvir tanto minha mãe falar a respeito de minha beleza, como não ser?

Ri alto, mas acabei levando uma das minhas mãos a boca na tentativa de não chamar tanta atenção. Ryan riu de meu constrangimento.

— Confesso que também não gosto de eventos sociais — contou ele enquanto olhava para um local em específico. Acompanhei seu olhar e percebi que ele fitava uma dama de cabelos negros, ondulados, compridos e extremamente branca. Ela estava acompanhada por um cavalheiro de cabelos ruivos.

— Esta é a dama que tem seu coração? — perguntei e ele sorriu com tristeza.

— Ela não quis meu coração — explicou calmo. — Por isso que dói.

Ver aquela sua expressão de tristeza me incomodou. Quase como uma agonia interna que me condoía. Não conseguia ver aquela expressão em absolutamente ninguém sem sentir um louco desejo de agir. Talvez por que já a tenha a visto demais.

— Que tal mostrar-me então o outro lado do parque? — perguntei e ele olhou-me por cima do ombro.

— Eu acho uma ótima ideia — disse me oferendo o braço. Aceitei e segui com ele para o caminho contrário em que aquela dama estava. Meu objetivo ali não era fazer amizade com ninguém, era simplesmente fingir ser Yuna e fazê-lo mandar-me para casa sem dó alguma, mas enquanto a meus sentimentos? Nunca fui uma pessoa insensível, como poderia ser indiferente diante daquilo?

E enquanto ao o que eu acreditava? Ao o que eu gostava? Ao que eu queria fazer? Yuna nunca me escutava. Tudo tinha que ser de acordo com sua vontade, eu simplesmente nunca fui de verdade a sua amiga. Para aquela família, eu nunca deixei de ser uma empregada.

Pensar nisso me doía. Por que eu queria tanto que me amassem, queria tanto que me quisessem ao seu lado, mas o que eu esperava? Eu fui contratada apenas para ser uma mera empregada.

Engoli a seco sentindo meus olhos arderem. Algo dentro de mim me dizia que não era justo, mas outra parte não via nada de injusto em todo aquele processo. E a culpa era minha por estar querendo demais. Funguei discretamente e lágrimas começaram a cair contra minha vontade. Queria poder falar, pôr para fora tudo aquilo que estava me deixando aflita, toda aquela situação, mas eu não podia fazer isso... Acabaria com a reputação de Yuna, acabaria com as possibilidades de conseguir um emprego, acabaria com a minha vida.

— Pegue — falou Ryan me oferecendo um lenço. Pisquei pegando o pano e limpei meu rosto brevemente. — Não sei por que está chorando, mas fui ensinado a sempre carregar um lenço para lágrimas...

— Das damas? — perguntei me sentindo melhor.

— Minhas também, caso bata o dedinho em algum lugar — falou ele e eu ri.

— Talvez o senhor não tenha percebido, mas tropecei ainda a pouco em um galho — comentei e ele riu logo em seguida.

— Ande com o lenço então, caso haja outros galhos revoltos com seu dedo mindinho.

Funguei sentindo-me mais calma, foi quando paramos em um bosque ainda mais belo que o anterior. Este quase não tinha árvores e era repleto de pequenos montes cobertos por gramas que seguiam na direção do vendo. As nuvens ali ficavam bem mais desenhadas e belas, e o azul parecia estar ainda mais claro. Arregalei os olhos surpresa pelo lugar. Poucas pessoas andavam por ali e isso deixou-me ainda mais animada.

— Precisa ver este lugar a noite — falou ele. — É muito estrelado.

O encarei com os olhos arregalados e curiosa. Ryan sorriu e cruzou os braços desviando o olhar para a paisagem.

Tudo seria perfeito se eu pudesse tirar aquela peruca e me ver livre para correr por aí.

— Posso lhe contar um segredo? — perguntei emocionada.


§~~~~~~~~~~~§


Já disse que adoro deixar vocês curiosos?


O CONDE QUE EU AMAVAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora