Scrupulo - Vale Quanto Pesa [...

By TeresaTHelsen

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ROMANCE + THRILLER DE CONSPIRAÇÃO Claudia Cazarotto é uma contadora brasileira que decide esquecer o... More

Capítulo 1: Surpresa na Coffeeshop
Capítulo 2: Jagger tem uma proposta
Capítulo 3: Na Taverna do Duende
Capítulo 4: Primeiro encontro bem sucedido.
Capítulo 5: Preparando-se para o coquetel
Capítulo 6: O coquetel na mansão Cunnings
Capítulo 7: E assim termina a semana.
Capítulo 8: Seth Cunnings; Coquetel e manhã de domingo.
Capítulo 9: Onde estou?
Capítulo 10: O Resgate
Capítulo 11: Maguire na pista da chacina
Capítulo 12: O refúgio de Cláudia
Capítulo 13: Quando se está próximo à pessoa errada
Capítulo 14: Visitas Inesperadas
Capítulo 15: Seth Cunnings bate à porta.
Capítulo 17: A Conversa de Cláudia e Maguire
Capítulo 18: A rotina da Blue Velvet
Capítulo 19: O Apartamento novo
Capítulo 20: Passeio em Soho
Capítulo 21: A festa no Iate
Capítulo 22: "como ocupar a mente" e "o problema de Maguire"
Capítulo 23: A situação de Rebecca
Capítulo 24: Quando Scaffa identifica o inimigo: Isso não ficará barato
Capítulo 25: Depois do atentado.
Capítulo 26: Onde ela está?
Capítulo 27: Liberte a garota e ninguém sairá machucado
Capítulo 28: O policial ferido
Capítulo 29: Jantar em uma casa de famiglia
Capítulo 30: A vigília de Valentine
Capítulo 31: Um momento de trégua I
Capítulo 32: Um momento de trégua II
Capítulo 33: Válvula de escape
Capítulo 34: Um elefante branco no porão
Capítulo 35: Um elefante branco no porão II
Capítulo 36: Vamos sair daqui e ir para o "Smiths"
Capítulo 37: Uma ópera "italiana"
Capítulo 38: Segundo Ato
Capítulo 39: Amigos perto, inimigos mais perto ainda.
Capítulo 40: Vendo de cima
Capítulo 41: Depois daquela noite
Capítulo 42: Oficialmente, isto é um encontro
Capítulo 43: Entrando no seleto clube
Capítulo 44: Filhinhas dos papais
Capítulo 45: Segredos de família
Capítulo 46: Lembrete: você não pertence a esse ninho.
Capítulo 47: Se resolvam sozinhas
Capítulo 48: Discrições necessárias
Capítulo 49: Junta-se a fome com a vontade de comer
Capítulo 50: Diplomacia é o segredo
Capítulo 51: Arremate
Capítulo 52: Começa o jogo
Capítulo 53: Conhecendo o jogo
Capítulo 54: Arrumando as peças no tabuleiro
Capítulo 55: Assumindo um papel
Capítulo 56: He Can Only Hold Her
Capítulo 57: O detalhe que faltava
Pré-venda do primeiro e-book liberada!
Capítulo 58: A família Blue Velvet
Capítulo 59: Joias raras
Capítulo 60: Ponto de conversão
Capítulo 61: Colocando um dedinho no bolo
Capítulo 62: comida e negócios
Capítulo 63: Uma seguradora?
Capítulo 64: Em coma
Capítulo 65: O tabuleiro
Capítulo 66: Tenso, eu?
Capítulo 68: Apesar do que pensam
Capítulo 69 - O círculo se fecha
Capítulo 70 - Dallas, Texas
Capítulo 71: O noivado
Capítulo 72: There's a light that never goes out
Capítulo 73 - Haverá sempre um pedaço faltando
Capítulo 74: nem branco nem azul: vermelho
Capítulo 75: o verdadeiro rato
Capítulo 76: Nenhuma boa ação sairá impune
Capítulo 77: Sem misericórdia
Capítulo 78: Cheque mate (CAPITULO FINAL)

Capítulo 16: O escritório na Blue Velvet

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By TeresaTHelsen

Entrou no elevador seguido de seu guarda costas, Miller, um homem grande e sisudo dono de uma silhueta semelhante a uma marreta.

Assim que a porta fechou e Claudia não podia mais vê-lo, desfez o sorriso imediatamente, que fez o discreto guarda costas olhar de soslaio um pouco sobressaltado. Abriu um tipo de palmtop mais tecnológico, onde acessou um tipo de arquivo de vídeo e assistiu fechando ainda mais o semblante ao ver as imagens e sons da interação do segurança com a contadora dentro do prédio. Manteve a cara fechada até abrir o elevador.

Tudo o que ele não precisava era ter sua paciência testada por esses dias.

Chegando ao térreo com seu andar típico, que oscilava entre o macio e objetivo, se aproximou de Donald White sem qualquer impedimento, enquanto este lhe cumprimentava com um aceno de cabeça. Ele percebeu tarde demais que Seth Cunnings se aproximava mais do que o usual, e não foi hábil o suficiente para impedir o avanço da mão do patrão que foi diretamente no coldre de sua arma. Seth segurou a pistola de White com uma das mãos e com o punho livre, lhe deu um soco tão forte que fez o sujeito lembrar do porque do apelido de Italian Appaloosa. White caiu sentado, furioso e surpreso.

— Odeio quando caras como você acham que tem liberdade de ação – um pouco mais calmo, mas ainda em tom ameaçador, Seth tirava o pente da pistola automática de White — Fique ciente que só está aqui por causa do seu pai. Mas logo ele vai ter que lidar com a sua merda — ainda com olhar fixo em White, arremessou o pente para Miller, que o pegou no ar. Seth baixou a arma e encarou o segurança sentado no chão, forçando-o a aceitar sua posição.

Em seguida ele jogou a arma em cima do homem.

Seth colocou as mãos no bolso e se dirigiu ao carro seguido por Miller (atento), deixando um último recado à White:

— Sempre fica uma bala na agulha, já que tem interesse em brincar com a morte.


***


Logo após seu café da manhã, não mais "À lá mode de madame Clau" graças ao resgate de seu pó de café preferido, a campainha tocou.

Curiosa, Claudia caminhou até a entrada do apartamento. Apreensiva com a lembrança do homem estranho, fechou mais seu roupão e reconsiderava se deveria abrir, quando a campainha tocou novamente:

— Senhora Cazarotto?

De trás da porta, uma voz diferente da de Mr. Blue. E com um tom mais cortês.

Claudia arrumou um pouco o cabelo e abriu um pouco a porta, suficiente apenas para ela ver quem está do lado de fora.

Um rapaz de não mais de vinte e cinco anos de aparência comum. Vestido em um terno preto, com porte de militar e o cabelo loiro em corte no mesmo estilo. Parecia confiável. Ele dá um sorriso curto, educado e mostra um envelope pardo.

Como se ela o olhasse sem entender enquanto pegava o envelope, o rapaz pôs-se a falar.

— A empresa Blue Velvet me designou para acompanha-la como guarda costas. Minhas referências — ele apontou o envelope com o olhar.

Claudia fez uma expressão mais amena e abriu a porta enquanto tirava o papel do envelope e indicava que ele entrasse. Ela caminhou para a sala, lendo o currículo do rapaz, enquanto ele entrava, encostava a porta e ficara lá parado, esperando.

Seu nome era Jeremy Russo, ele tinha vinte e quatro anos, tinha servido ao exército americano e já trabalhou como segurança particular para duas pessoas diferentes (as quais ela não conhecia, mas os contatos estavam lá) e faz já meio ano trabalhava para a Blue Velvet. Dentro, uma pequena carta da diretoria da empresa recomendando o rapaz.

Mais uma vez Cunnings cumpriu o que acordara. E mais uma vez, isso a inquietava.

Precisava conversar com Rebecca.

Naquela mesma quarta feira, Claudia ligou para a casa dos pais de sua amiga e recebendo a afirmação de que ela estaria em casa, foi visita-la no final da tarde.

Claudia foi recebida com ansiedade por Rebecca, que abriu a porta com seu jeitinho nervoso. Ela logo acenou pra que a amiga entrasse.

— Como é bom ver um rosto amigo! – Rebecca desabafou.

Claudia a abraçou, como sempre fazia. Foi retribuída com entusiasmo. Depois de tudo aquilo, era um alivio esse abraço! Deram-se as mãos e Rebecca a levou para a sala, para que sentassem.

— Onde você está agora? Quer dizer... se você puder falar...

— Ah, acho que não tem problema, já que sei onde você está. Em Tribeca.

— Que bom! Lá é muito mais seguro que o Harlem!

— Rebecca... eu estou nervosa.

— Eu sei, também estou!

— Precisamos entender como as coisas ficam, o que querem da gente... eu recebi uma visita do Cunnings ontem, e você?

— Sim, ele veio aqui também!

Claudia respirou aliviada.

Talvez ele não estivesse mesmo se insinuando para ela. Apesar de Claudia ser observadora e boa de julgamento (no que se refere à intenções e sentimentos das pessoas), a situação era tão maluca que sabia que podia se enganar devido ao nervosismo. Se Cunnings foi falar com Rebecca no mesmo dia, indicava que possivelmente ele teria feito o mesmo exato discurso e proposta.

— Ele te mandou o contrato? – enquanto perguntava, Claudia tirava da bolsa o contrato enviado via e-mail naquela manhã.

— Sim! – Rebecca se levanta e vai até um pequeno móvel na sala, onde parecia ser um tipo de mesa de estudos. Volta trazendo uns papeis.

— Ontem ele chegou cheio de papo; aumentar salário, melhorar cargo, segurança, blá, blá, blá, desculpe pelo apartamento sem janelas, não sei... Quase me pareceu melhor do que a encomenda, e sempre que é assim, tem coisa no esquema! Me ajude a analisar isso tudo, porque eu estou uma pilha desde que aquele homem saiu de lá!

— Ele é tão cheio de cuidados...

Internamente, Rebecca riu e ao mesmo tempo se preocupou. O Sr. Cunnings parecia atencioso até demais pela descrição de Claudia. Um homem desses sempre têm truques nas mangas e interesses obscuros.

Elas trocam os papéis e começam a ler, ao mesmo tempo em que conferem os itens.

Em resumo, trabalhariam para a Blue Velvet de Nova York, empresa de segurança e tecnologia que tem como principal cliente o governo americano, seus ganhos mensais estavam triplicados em relação ao valor anterior, teriam direito à segurança privada quando necessário (viagens e transporte de documentação confidencial ou situações semelhantes). Mas então Rebecca notou a diferença;

— Você foi chamada pra chefia da contabilidade? – disse Rebecca bastante surpresa.

— Sim.

— Ele realmente gostou de você.

Claudia demorou a processar o que ouviu. Rebecca estava insinuando o que?

— Como assim?

Seu tom foi um pouco seco.

Ela esperaria ouvir esse tipo de coisa de qualquer um, não era de hoje que pessoas alegavam seus cargos de importância à sua aparência (muito embora a maior parte deles tenham sido conseguidos através de aprovação em concursos públicos), mas não esperava isso de Rebecca. Não por ser ela, mas por ser sua amiga. Se sentiu subestimada, como tantas outras vezes. Quantos currículos e cartas de recomendação enviou e foi recusada por ser estrangeira. Mesmo na firma do Vitti, era mais do que obvio que a qualificação dela era maior que a dos outros colegas todos juntos, exceto por Rebecca. Justamente por ela, que também era subestimada por aquele porco chauvinista carcamano, que achava e agia como se estivesse fazendo um grande favor pra imigrante latina e a judiazinha, ao contratá-las para o seu escritório de quinta categoria.

— Você acha que eu não tenho competência pra isso?

— Claro que tem, eu...

— Eu estudei minha vida inteira, sou doutora com especialização, quase outro doutorado em economia, já fui auditora pública, você pode me explicar porque alguém não me contrataria pra exercer um cargo que já estou careca de saber como lidar?

Aquela altura do campeonato, depois das pequenas humilhações na entrada do país, nas entrevistas de emprego, nos pequenos gestos preconceituosos de estranhos, das piadas maldosas sobre seu gênero, da subjugação de sua competência profissional, de um sequestro terrível e de ser intimidada por um homem com ares de sádico, ter sua única amiga comentando "o quanto o chefe supostamente gosta de você para te dar um cargo bacana desses", era a última coisa que Claudia precisava ouvir.

— É melhor eu ir pra casa agora.

Claudia levantou transtornada, arrumando seus papeis em sua pasta, diante a expressão estupefata de Rebecca.

— Claudia! Não seja tão defensiva, por favor...

— Defensiva? Você se ouviu falando?

— Sim, mas não tive intenção de nada, e desculpe não saber sobre sua formação...

Rebecca nem terminou a frase, Claudia ao ouvir isso bufou furiosa e saiu da casa o mais rápido que pode pisando forte, quase batendo a porta.

Claro! Antes de saber da minha qualificação, obviamente só poderia se tratar de interesse sexual!

O que a deixou mais fula da vida foi que, quando Jagger a chamou para conversar sobre seu trabalho na Blue Velvet, ela aceitou a chefia e nessa condição, reiterou sobre a competência da colega, recomendando que Rebecca também fosse contratada.

Rebecca, boquiaberta, apenas assistiu a amiga sair como um trovão.

Olhou à sua volta, como quem procurasse alguma câmera ou algum comediante pular de repente em sua frente, explicando que aquilo não passava de uma pegadinha. Nem estava pensando direito. Aos poucos, repassou em sua mente a conversa das duas, frisando suas próprias palavras. Primeiro, se sentiu injustiçada perante a reação da amiga, ela sempre soube que Claudia era competente, nunca duvidou disso. Que culpa ela teria de não imaginar a formação dela? Depois, entendeu que realmente suas palavras foram terrivelmente colocadas, e lamentou pelo mal entendido.

Droga Rebecca, você precisa pensar melhor no que fala! Com que cara eu vou olhar pra ela agora?

O que o orgulho dela não permitiu perceber foi que, embora tivesse carinho e respeito pela amiga, existia qualquer coisa naquelas palavras que expressava justamente o que a empatia de Claudia entendeu; ela estava insinuando que o chefe deu o melhor cargo para a mulher pela qual ele tinha interesse pessoal. Mas não conseguia ver isso, não era dada à analises da natureza humana, incluindo a sua própria.


***


Na quinta feira, Claudia acordou cedo e com um leve mau humor. Foi até a Blue Velvet e assinou o contrato, finalmente. No mesmo dia, foi apresentada ao andar da contabilidade e ao seu escritório.

O departamento de contabilidade era relativamente grande, visto o porte da empresa, e ocupava basicamente metade do décimo quinto andar. Ao sair do elevador de acesso ao andar, um pequeno hall com uma placa de vidro azulado informava o número do piso e o departamento. Havia uma pequena escultura de metal e duas grandes portas de madeira com um detalhe vertical vazado em formato de arcos preenchido com vidro, de forma que se poderia ver perfeitamente o que estava por trás dela. Basicamente, um grande vão ocupado por várias divisórias de escritório baixas (de forma que, quem entrasse no recinto veria o topo da cabeça de várias pessoas), que comportavam um espaço de aproximadamente dois por dois metros quadrados, equipados com mesas e computadores e todo o maquinário necessário.

O ambiente tinha um carpete escuro de cor cinza com um leve tom azulado. Aliás, o ambiente todo tinha esse tom nas paredes, vasos de plantas e demais objetos. O destaque era para as divisórias que eram feitas de madeira, num padrão claro estilo cerejeira, o que deixava mais requintado o ambiente e menos frio. Atrás dessas divisórias ficavam imensas janelas, que ocupavam o espaço da parede do teto ao chão e se chegassem mais perto, poderiam ver perfeitamente o pátio lá embaixo. Onde não havia a janela, estavam algumas salas, que tinham nas paredes grandes vidraças, a fim que os funcionários vissem os chefes e vice e versa, e ao mesmo tempo, deixasse entrar luz natural (desde que o chefe não mantivesse suas persianas fechadas).

O administrador do prédio acompanhava Claudia nesse trajeto e lhe apresentava o lugar. Ele lhe indicou sua sala, que já tinha uma pequena placa de metal na porta com seu nome. O que a fez levantar a sobrancelha desconfiada, diante a imensa fidúcia que Cunnings demonstrava ao ter certeza de que ela assinaria o contrato com ele.

A sala dela seguia o mesmo padrão do restante do andar.

A mesa era de madeira clara com o típico formato simples como um aparador, tão comum aos designs atuais. Além da mesa de trabalho e equipamentos necessários, havia um pequeno sofá de dois lugares e uma poltrona, todos em couro preto e estilo Barcelona. Em um canto da sala, havia também uma pequena estante metálica, com duas portas, um móvel comum em escritórios, só que bonito. Atrás da mesa, havia um balcão em metal com tampo de vidro, com algumas coisas como garrafa de água e copos. E em um tipo de copo de vidro mais comprido, três tulipas amarelas e laranjas arranjadas elegantemente. Claudia se aproximou, e viu um pequeno papel timbrado da empresa, as palavras escritas à mão com uma grafia forte e não muito clara: "Bem vinda à família".

Existem pelo menos seis definições diferentes pra essa palavra, fora as gírias. Não quero nem pensar à qual se refere esta daqui!

Claudia rapidamente afastou da mente as especulações corriqueiras, ambiguidades de interpretações possíveis e o quanto achou bem-educado esse pequeno gesto. Melhor do que procurar problemas para a mente, é se concentrar em solucionar os problemas de ordem prática da vida. Ela ainda precisaria contratar uma secretária, segundo normas da empresa, e achou por bem que se sentiria melhor se contratasse uma conterrânea.

Pôs-se a trabalhar.

No dia seguinte, sexta feira, Claudia acordou mais bem disposta; estava feliz com uma rotina para seguir. Ela gostava de ter as coisas sob controle, e ver que poderia programar o que precisava fazer de forma tranquila a deixava realmente bem disposta e satisfeita. Ainda havia ajustes a se fazer, mas já estava no caminho, e hoje iria passar o dia se atualizando com os assuntos da empresa, entrevistando secretárias e conhecendo seus subordinados e colegas de trabalho.

No meio do dia, olhava a esmo para a direção das divisórias. Até que avistou a cabecinha loira de Rebecca, concentrada com suas sobrancelhas franzidas atrás dos óculos retangulares de acetato preto. Ficou chateada pela ultima conversa que tiveram e pensou em chama-la para almoçarem juntas. Mas viu que alguns colegas se aproximaram, possivelmente para irem ao almoço. Nesse momento, Rebecca vira para a direção da sala de Claudia e seus olhares se cruzam. Claudia dá um sorrisinho em cumprimento. Rebecca responde discretamente. Ainda havia algum resquício de estranhamento entre elas.

A verdade é que ainda estava ofendida. Era duro perceber os defeitos de pessoas que gostamos, especialmente quando eles nos afetam. Mas Claudia conseguia compreender que nem todas as pessoas percebem como são. Menos ainda são as que se questionam. Se conseguíssemos perceber todos aqueles pequenos julgamentos que entram sorrateiramente em nosso ser através do que ouvimos, vemos e fazemos todos os dias... E fazendo uma auto crítica, ela também havia exagerado da reação.

Apesar da demonstração de preconceito de Rebecca, sabia que tinha bom caráter e que genuinamente gostava dela. Pode parecer certa ingenuidade por parte de Claudia, para querer se reaproximar ou mesmo acreditar, mas não era isso. Para ela, o segredo de um relacionamento sincero é perceber as falhas do outro, aceitar e entender os limites. Gente é assim; vai te decepcionar e também vai te cativar.

Ninguém é santo sempre, nem filho da puta sempre.

Claudia decide quebrar o gelo e sai de sua sala, a tempo de pegar os colegas ainda se organizando para o almoço.

— Quem conhecer melhor o bairro, sugere onde vamos almoçar, que tal?

Alguns dos colegas, três rapazes, um senhor e uma mulher, se surpreendem com a chegada de Claudia.

— Sim, é. Desculpe, estou mesmo me convidando, pode ser?

Riu, fazendo uma careta. Os colegas se acalmaram mais diante a descontração dela. Logo, todos começaram a se manifestar e concluiu-se que Smith, o senhor, conhecia melhor a região e sabia de um lugar legal para comer. Enquanto confabulavam, Rebecca e Claudia se entreolhavam, mais simpáticas uma à outra.

Todos foram juntos almoçar.

Após o almoço, enquanto os colegas voltavam para o prédio, ela seguiu as instruções de Smith para encontrar a loja de aparelhos eletrônicos. Foi fácil. Em menos de dez minutos ela resolveu seu problema. Para a infelicidade do vendedor, Claudia já sabia exatamente o aparelho que queria, não lhe dando chances de empurrar outras coisas. Além disso, estava com pressa; já havia ultrapassado o horário de almoço.

Quarenta e cinco minutos para comer é absurdo! E ainda chamam isso de "civilizado"...

Foi caminhando para a Blue Velvet em passos apressados, por vezes dando algumas corridinhas. Enquanto andava (uma de suas atividades preferidas) pensava em ligar para Maguire ao mesmo tempo em que se perguntava do por que dele ter fingido acreditar na historia que ela contou quando se encontraram na cafeteria, já que ele sabia do sequestro a ponto de ir até aquele mesmo prédio, onde ela estava prestes a entrar, cobrar respostas do próprio dono da empresa.

É muita empáfia mesmo, fazer isso... Ele é incrível!

Riu sozinha. Mas era algo a se preocupar e ela sabia disso. Quando alguém esconde algo de outra pessoa, é que, muito possivelmente, tem mais privilegiadas informações sobre essa pessoa ou algo que interesse à essa pessoa. Se ele guardou para ele, ela deveria descobrir o que seria. Uma posição neutra a beneficiaria.

Segundos após entrar no hall, ouve um burburinho logo atrás de si. Quando virou, viu Seth Cunnings e Cristina Summers entrando, rodeados por alguns fotógrafos e repórteres. Pelo visto alguns deles já estavam no hall esperando pela chegada dos CEOs, Claudia mal os tinha reparado. A surpresa de Claudia não foi menor que a dos próprios irmãos, ao serem cercados por câmeras, gravadores e celulares. Seth fez uma cara péssima, notoriamente descontente.

Na avalanche de fotos e perguntas, era difícil entender o que falavam. Claudia estava há talvez uns quatro metros da situação e a única coisa que entendeu, foi que eles questionavam aos irmãos do porque da ida misteriosa ao cemitério central.

Seth, protegendo sua irmã, teve o caminho liberado pelos seguranças que interviram e assim pode seguir até o elevador sem dar nenhuma declaração, apenas pedir licença de uma forma minimamente educada.

Que cena estranha. Claudia e as outras pessoas presentes no hall estavam entre surpresas e constrangidas. Enquanto os seguranças retiravam os repórteres, aos poucos as pessoas voltavam a seguir seus caminhos.


***


Quando voltava para sua sala, Claudia passa na mesa de Rebecca.

— Você não sabe o que acabei de ver...

— Alguém famoso?

— Não, menos agradável que isso... os Cunnings sendo atacados por repórteres lá embaixo. E os repórteres perguntando sobre cemitério, algo assim...

— Que invasivo! Eu não sabia que os Cunnings eram abordados assim, parece coisa que fazem com políticos ou pessoas famosas – Rebecca faz uma cara pensativa, seguida de certa admiração – Alta sociedade...

— Será que alguém da família morreu? Sabe...

Claudia estava curiosa e um pouco apreensiva. Rebecca compreendeu, pois pensava o mesmo: alguém conhecido deles teria morrido naquele episódio do sequestro? As duas suspiraram fundo; Que lamentável! De repente uma luz se fez no rosto de Rebecca e ela deu uma piscadinha pra Claudia, apontando a tela de seu computador. Com uma digitação hábil de fazer inveja, Rebecca faz uma busca na internet sobre noticias com os Cunnings e mortes no período que se passou o sequestro, ou seja: final de semana passado, basicamente.

Nada até então.

Mas uma coisa aparece como noticia de uns dias atrás: "achado provável corpo de traficante que teve sua carga apreendida e descoberta entre carregamento de cereais".

As duas arregalam os olhos e se entreolham. Sim, era o mesmo tal John Abdel Mataha. Segundo a reportagem, ligado com tráfico de drogas, assassinatos e até mercenários. As duas leram juntas a nota do jornal, mas só Claudia teve a atenção chamada de forma diferente, ela reconheceu um nome; Big Maze. Chegou a abrir a boca para comentar algo, o que fez Rebecca a olhar, esperando pelo o que ela falaria. Mas naqueles poucos segundos, Claudia raciocinou que não seria bom comentar nada com Rebecca. Não traria nenhuma vantagem, ao contrário, só a preocuparia mais, e além; deixaria explicito que ela ouviu esse nome, quando não deveria ter ouvido nada. Disfarçou com um grande suspiro e comentou:

— Olha só nós duas! Daqui a pouco vamos fazer teorias de conspiração...

— Que loucura! – Rebecca riu nervosa – se a gente não cuida do pensamento, ficamos malucas achando que tudo tem a ver com tudo!

As duas riram nervosas, tentando aliviar a tensão.

— Quer saber, amiga – Claudia coloca a mão no ombro de Rebecca – vamos trabalhar que ganhamos mais!

— Com certeza! Cabeça vazia ou cheia demais é oficina do diabo!

Suspiraram mais aliviadas e sorriram.

Claudia foi se afastando devagar, e ainda ouviu Rebecca murmurar algo enquanto terminava de ler a noticia.

— Espancado até a morte... credo, que jeito de morrer...

Claudia sentiu um arrepio na espinha, apressou o passo e se enfiou no trabalho o resto do dia.


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NOTAS:
Italian Appaloosa: raça de cavalos italianos. Conhecido por seu coice muito potente.
Carcamano: é usado pra designar italianos e seus descendentes, de forma pejorativa.
IFRS: A sigla inglesa IFRS - International Financial Reporting Standards significa Normas Internacionais de Informação Financeira, na tradução para o Português. Normas Internacionais de Contabilidade, que visam uniformizar os procedimentos contábeis e as políticas existentes entre os países, melhorando a estrutura conceitual e proporcionando a mesma interpretação das demonstrações financeiras.
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Esse capitulo foi um tiquin mais longo né, pessoal? Mas é como disse nas notas do capitulo passado: essa parte vai ser um pouco mais longa, pois é um momento de adequação das personagens. Espero que gostem mesmo assim, mas deixem-me saber ok?

kissu!


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