Capítulo Setenta

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- Ele foi embora porque eu nunca te esqueci - falou calmamente, olhando para o estacionamento do hospital.

Por um segundo Toni não acreditou nos seus ouvidos. Cruzou os braços, enquanto absorvia aquelas palavras, mas César apenas sorriu triste e tocou o ombro do tatuado de forma amistosa.

- Relaxa camarada, eu não estou te pedindo nada, você perguntou porque ele foi embora, eu respondi. Só isso.

Fez uma pausa e respirou fundo, cansado de mais de alguma coisa.

- Tua mãe tinha razão... Eu gostava dele, quer dizer, gosto dele, mas não o suficiente. Ele percebeu e pulou fora. A gente não estava bem há um tempo, a gente brigava muito, as vezes, a gente fazia amor e tava tudo bem mas depois eu acordava de noite e ouvia ele chorando. Eu... Não entendia o que tava de errado. É estranho falar isso, mas com ele eu... Não fodia, eu fazia amor, mas se a gente não se separasse agora ia ser depois. Só que eu não esperava que ele fugisse no meio da madrugada - sorriu com um misto de diversão, saudade, dor e culpa - ... É um moleque mesmo... Um maluquinho!

- Cez... Eu não sei o que te dizer... Eu sempre deixei bem claro que a gente não tinha futuro. Não sei como tu conseguiu se apegar desse jeito.

- Ele deixou um bilhete... Disse que tava cansado de ser um substituto. Eu nunca percebi nada disso, tipo ele sempre reclamou que eu era muito dependente de ti. Quando ele tava com raiva dizia que só faltava eu te pedir para comer ele no meu lugar, mas nunca levei a sério porque você via como ele era exagerado - contou, sorrindo cheio de saudade do japonês.

- Vai atrás dele Cez, tá na cara que tu é louco por esse moleque.

- Eu nem sei onde ele tá, ele não deixou um endereço, um telefone, que eu saiba não tem nem amigos. Eu não faço ideia de onde ele pode estar. Eu estou tão preocupado... Não sei nem se ele tem um lugar para ir, para dormir, se tem como comer... Eu só queria ele aqui, para poder fazer tudo diferente... - sua voz sumiu por um instante.

César enxugou a lágrima que escorreu pelo seu rosto, respirou fundo.

- Sou um otário - deu de ombros.

A conversa não se prolongou muito, o horário de almoço do enfermeiro já chegava ao fim e ele voltou para o interior do hospital. Toni voltou para o canteiro de obras.

Fazia dez dias que Ícaro havia sumido, sem dizer nada para ninguém. César ficou desolado, sua tristeza era tanta que Magnólia nem conseguiu brigar com o homem. Por dias o enfermeiro mal saiu do quarto. Os comentários que se ouvia pelos corredores da pensão só serviam para piorar tudo. Por mais que se apiedasse do ex, Toni achou prudente manter uma distância segura, deixando clara a linha da amizade para que César não se confundisse mais ainda.

A casa pareceu perder parte do brilho, mas aos poucos todos foram se ajustando a falta do japonês, mas sua fuga trouxe uma nova perspectiva para os casais que moravam ali, trouxe reflexões. Toni não conseguia parar de pensar que também deu motivos para Samuel lhe deixar. Quando lembrava daquele sumiço do músico quando o flagrou na cama com o ex, seu coração se comprimia.

- Amor.. Se eu te fizer uma pergunta meio... Idiota tu me responde com toda a sinceridade? - começou, sentindo uma ansiedade incomum no peito.

Samuel estava trabalhando numa música, sentado a escrivaninha.

- Claro. O que foi?

- Hã... Tipo, se um dia eu pisar na bola contigo, tipo vacilar feio... Tu ia me dizer? - era uma pergunta muito boba e Samuel acabou sorrindo, sem nem levantar os olhos do papel onde rabiscava ajustes na letra da música.

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