Capítulo Sete

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Samuel tocou os primeiros acordes no violão, dedilhando um exercício que fazia seus alunos repetirem um milhão de vezes. Em seguida foi tocando a introdução de uma música que ainda estava compondo.

A melodia estava perfeita, a introdução era lenta e bem ritmada, as notas se completavam lindamente. Não achava isso apenas porque era uma obra sua, a música era realmente boa, mas faltava alguma coisa. Um tempero, cada música que compôs tinha o seu próprio, era um algo especial que equilibrava todas as características e juntava tudo numa equação perfeita, mas esta, definitivamente não estava pronta. Não sabia o que faltava ainda, mas sabia que ia acabar descobrindo.

Mergulhou no seu mundo particular, completamente envolvido pelo som suave, acalmando as incertezas do seu coração, diminuindo drasticamente suas angustias e inquietações. Pelo canto do olho Samuel viu um movimento pelo quarto. Virou um pouco, sem sair da cama, apenas o suficiente para ver Lucas lhe espiando curioso ainda perto da porta. Nem havia percebido que o menino tinha chegado da escola. Não queria assustá-lo, então não falou com ele. Sempre que tentava o pequeno saía correndo. Tocou toda sua melodia sem cantar, emendou outra música e mais outra em seguida.

A música o acalmava. Sempre foi assim, desde criança. Lembrava da sua mãe cantando para ele dormir quando era menor, eram lembranças muito felizes, de tempos que tudo era muito simples. Não entendia em que momento perdeu Violeta de vista, não no sentido literal, mas em algum ponto do caminho mãe e filho perderam o norte e não se aprumaram mais, mesmo morando debaixo do mesmo teto.

— Toca outra — pediu sua única companhia quando a música acabou.

O pedido foi tão repentino que Samuel precisou se segurar para não dar um pulo quando percebeu o menino sentado na cama junto com ele. Lucas lhe observava com um par de lindos olhos pretos curiosos e brilhantes. O interesse do menino pelo instrumento era visível. Prontamente atendeu ao pedido, tocou mais duas músicas, se sentindo muito mais aliviado das suas tensões agora.

— Gosta de música? — inquiriu quando parou de tocar, apenas descansando o violão na perna.

Lucas concordou com um aceno simples e contido.

— Sabe tocar?

Novamente o menino acenou, mas dessa vez negando, dedilhou uma melodia improvisada mais animada que as outras.

— Gostaria de aprender?

Dessa vez viu incerteza nos olhos infantis. O jeitinho sempre receoso da criança o intrigava.

— Se quiser eu posso te ensinar. Eu sou professor de música sabia? — propôs como se fosse uma oferta irrecusável, até balançou as sobrancelhas para cima e para baixo junto com a proposta.

Lucas abriu seu primeiro sorriso para o loiro. Que comemorou internamente como uma grande vitória. Foi um sorriso tímido, breve e muito acanhado, mas comparado as carreiras com que o menino se afastou até agora, era um avanço.

— Acha que eu consigo? — a voz saiu baixa, mas perfeitamente audível.

— Claro! Você parece ser um menino muito inteligente! É um pouco difícil no começo, mas para quem joga com o seu irmão vai ser fácil. Afinal de contas para jogar com aquele fominha tem que ser fera! — respondeu prontamente, contente por Lucas finalmente falar com ele.

Disponibilizou o violão para a criança, que mesmo contida pegou o instrumento e já o posicionou certinho apesar do ser muito grande para ele.

— Você já pegou um violão antes?

— Já. Quando eu não tinha casa, tinha um cara que tocava na praça do centro para levantar uma grana. Ele me deixava brincar com o violão dele as vezes.

UnilateralWhere stories live. Discover now