Capítulo Quinze

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Foram os cinco quarteirões mais longos da sua vida.

Lucas olhava para todos os lados, sempre atento, sempre desconfiado, como ele mesmo disse, com olhos até atrás da cabeça.

Era hora de almoço e algumas casas estavam fechadas, em outras seus moradores estavam recolhidos no interior, desfrutando da refeição em família. Assim a rua estava quase deserta, qualquer moto ou carro que passava os exaltava. A possibilidade de serem localizados pelo seu perseguidor era grande e assustadora para os dois.

Samuel seguia cada vez mais rápido, sentindo seu peito se oprimindo cada vez mais, à medida que reconhecia aquela vizinhança, mesmo com os anos ainda era estupidamente familiar. Não podia hesitar, tinha que esconder o menino até que Toni ou a polícia aparecesse. Virou a direita, parou na frente de uma casa amarela, velha, rodeada de mato crescido e com plantas rasteiras crescendo pelas paredes. Aquele lugar lhe trazia lembranças horrendas. Preferiu não olhar muito, não pensar muito, não parar por nenhum segundo que fosse ou não conseguiria entrar ali. Forçou o portão velho, ouvindo com temor o ruído alto das dobradiças enferrujadas. Sempre segurando firme na mão do menino o guiou pelo meio do mato alto, desbravando o quintal abandonado, deram a volta na casa.

Não precisou forçar nenhuma janela ou porta. Assumindo um modo "automático" subiu na varanda pequena que tinha nos fundos da casa e levantou um pedaço de madeira que estava solto no piso de tabique, jogando para trás sem cuidado nenhum. Meteu a mão no buraco sem medo de ser picado por algum inseto que pudesse ter feito sua moradia ali. A julgar pelo estado da casa, devia existir um vivedouro de bichos peçonhentos naquele lugar. A chave estava lá, onde sua mãe sempre deixava. Foi com dor no coração que abriu a porta, percebendo o significado daquele pedaço de metal na sua mão.

Com certeza Violeta achou que seu filho voltaria um dia e por isso deixou a chave no lugar de sempre. A casa meio escura se mostrou pela porta aberta, o fazendo hesitar pela primeira vez. Lucas entrou rapidamente, mas Samuel precisou tomar fôlego antes de entrar, vendo o interior da casa malograda se torcer, como se o imóvel tivesse vida. Fechou a porta atrás de si, Lucas veio procurar o abrigo dos seus braços, completamente alheio ao que se passava com o músico. Samuel o abraçou, consciente que era o adulto ali, tinha que agir como tal.

— Shiii! Vai dar tudo certo.

O menino apenas acenou um sim com a cabeça, ainda muito angustiado com a fuga. Por alguns longos minutos Samuel o acalentou nos braços, encarando o corredor escuro que levava a sala de estar e aos quartos como se o demônio estivesse a sua espreita, observando-os.

Estava em casa e aquilo era um verdadeiro inferno.

***

"... parece que tinham ido comprar alguma coisa e o Barata apareceu... na certa achou que ia ter mais chances de pegar o Lucas de volta já que você resolveu tomar um chá de sumiço... você sabe muito bem que aquele verme só tem medo de ti Toni, por que a polícia ele leva na lábia toda vez..."

A bronca extensa que levou da amiga por telefone enquanto se vestia apressado naquele quarto de motel ainda se repetia na sua mente. Queria muito tê-la mandado ir a merda, mas sabia que ela estava certa. O marginal que explorou seu irmão obrigando-o a pedir nas ruas e o impedindo de ser recolhido pelo conselho tutelar tantas vezes não perderia uma oportunidade como essa.

Desde que Lucas explicou a situação na primeira semana que ficou na pensão Toni teve o cuidado de nunca deixá-lo sair sozinho. Na primeira oportunidade que teve Barata tentou roubá-lo da nova família, isso gerou uma confusão. Toni conseguiu lhe dar umas boas porradas daquela vez, com direito a usar sua soqueira de ferro, rolar no chão e uma perseguição alucinada pelas ruas perto da pensão. Naquela época sua raiva era muito mais descontrolada e teria facilmente matado aquele bandido se César não o tivesse atrapalhado.

UnilateralWhere stories live. Discover now