Capítulo Quarenta e Cinco

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Ícaro estava dormindo no sofá, com uma vasilha entre as pernas, onde três biscoitos solitários sobreviveram à sua fome.

— Que filho da puta! A gente doido atrás desse moleque e ele comendo biscoito!

— Você demorou tanto que ele acabou dormindo. Ele parecia magoado com o César, não conseguir dizer não para ele quando me pedia para ficar aqui — interveio Samuel, escorado na porta olhando os dois.

— Ele te contou o que aconteceu?

— Sim. Com riqueza de detalhes... acho que eu nunca vou ser capaz de esquecer — brincou com um sorriso mínimo.

— Então... ele te contou que a gente nunca teve nada um com o outro.

Samuel abriu um sorriso franco diante da cautela com que Toni tocava no assunto.

— Sim, mas nem precisava. Você não quer tomar café? — ofereceu, um pouco sem jeito e ainda afetado pela sua imaginação fértil.

— Aceito. Hoje foi um dia muito louco, a gente correu a cidade toda atrás desse moleque, ninguém teve tempo nem de comer — estava aliviado por tudo parecer bem.

Samuel foi seguido até a cozinha e preparou o café.

— Vamos ver o que eu tenho. Alguma coisa ele deve ter deixado para trás — falou e foi abrindo as armários.

— Ele come para porra... desculpa ai viu — falou coçando a cabeça, meio sem jeito porque sabia como Ícaro era espalhado.

— Tudo bem. Eu que compro pouca comida, quase nem como — deu de ombros.

Samuel acabou fazendo panquecas, já que o trigo escapou da boca nervosa do garoto, ainda tinha uma cartela inteira de ovos e um pouco de leite que sobreviveu no fundo da geladeira.

— Eu não sabia que tu cozinhava — comentou enquanto bebia o café.

— Ah... sim. Quando fiz nove anos minha mãe achou que eu já era auto-suficiente e parou de fazer todo o trabalho doméstico. Aí eu meio que que fiquei responsável pela casa e acabei aprendendo.

— Hum... — foi tudo que disse.

Preferia se abster de dizer qualquer coisa a respeito porque simplesmente odiava Violeta e nunca escondeu isso de Samuel. Mas respeitava porque se tratava da mãe do homem, obviamente ele não gostava quando falavam mal dela.

As panquecas estavam incríveis, Toni comeu gemendo e até elogiou os dotes culinários do músico, mesmo tendo sido adquiridos de forma tão absurda da extrema necessidade. Samuel nunca soube como reagir nessas situações, não era acostumado a receber elogios, então disse "obrigado" uma vez e tentou ficar calmo.

A química entre os dois era quase palpável. Os momentos de carícia que passaram no dia anterior na pensão estava pairando sobre os dois em forma de lembranças. Toni não conseguia afastar seus olhos da boca rosada de lábios finos e lembrar da textura macia e úmida.

Seguiram conversando sobre aquele dia louco que estavam tendo por causa daquele garoto desmaiado no sofá. Entre risos e olhares cobiçosos os rostos foram se aproximando e aproximando até o primeiro beijo, tão desejado por ambos.

Foi tão singelo e inocente que nem parecia que iam acabar assim como estavam agora. Entre beijos tortos e desengonçados ainda pendurados a mesa, Toni o puxou pela mão e mesmo meio confuso Samuel obedeceu o comando mudo e levantou da cadeira. Acabou sentado no colo do moreno, mas foi ficando cada vez mais vermelho e acanhado, ao mesmo tempo sentia seu corpo inteiro esquentando, num calor tão inédito que chegava a lhe dar palpitações.

UnilateralWhere stories live. Discover now