Capítulo Trinta e Seis

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César simplesmente não voltava nunca, já passava das onze da noite e Toni começava a imaginar que o companheiro não dormiria em casa depois daquela discussão que tiveram.

Deitar na cama sem ele era estranho e espaçoso, afinal o homem tinha cerca de dois metros e quase cento e trinta quilos de músculos. Depois de quase um ano dividindo a mesma cama era natural que sentisse falta do outro.

O tempo que ficou sozinho se consumiu em dúvidas sobre aquele dito presente que ganhou.

Por um lado odiava que César tenha trazido a possibilidade de voltar a escola de forma tão real e palpável. A simples ideia já lhe causava uma sensação ruim. Mas por outro lado sabia que César estava certo em cada palavra que disse, já tinha pensado na possibilidade de voltar a estudar há muito tempo atrás, mas nunca se agarrou muito a isso porque sempre lhe parecia algo inalcançável. Mas ali estava a declaração da escola afirmando que estava matriculado naquela instituição de ensino.

Era real, era possível, era um fato.

Ouviu a porta da sala abrir e fechar em seguida pontualmente a meia noite. Mas não se levantou da cama, apenas esperou com o coração um pouco aliviado.

Realmente achou que César não voltaria e isso era um pouco angustiante, porque o companheiro nunca se irritava de verdade com as coisas que falava, mas dessa vez tinha consciência que passou dos limites.

Enfim ouviu passos no quarto, o som de movimentos, as coisas sendo colocadas na mesinha de sempre. Em meio a tantos ruídos logo veio o som do chuveiro.

Esperou pacientemente até o som da água sumir.

— Achei que nem ia voltar hoje.

— Você se importar por a caso?

Toni riu da situação. Passou tanto tempo dizendo para César que não se importava e como a relação dos dois era completamente leviana, mas era absurdamente estranho ouvir o homem concordar.

César ainda parecia extremamente afetado e Toni não queria começar outra briga, então apenas recuou, imaginando que talvez fosse melhor esperar a raiva passar. Tentou imaginar como seria se não soubesse quase nada do homem com quem transava há anos, acabou chegando a conclusão que isso seria no mínimo estranho.

Não estava sendo justo com seu namorado e tinha que fazer algo a respeito, mesmo que lhe doesse.

— Cez... Tá acordado?

O homens se mexeu na cama.

— Não quero falar contigo agora. Me deixa — respondeu ainda emburrado.

Toni quis rir da resposta infantil e meio dramática, César eram sempre tão previsível. Respirou fundo e soltou o ar pela boca, sentindo as batidas erráticas e doloridas do coração. Pigarreou para limpar a garganta que ameaçava se comprimir e enfim rompeu seu silêncio de anos sobre esse assunto.

— Quando eu tinha quatorze anos... Conheci um cara. Ele era mais velho do que eu três anos, sempre via ele na praça perto da casa da mamãe, tocava violão embaixo de uma árvore...

Suas mãos já começavam a ficar geladas e trêmulas.

— ... Eu jogava bola com uma turma e por isso ia tanto naquela praça... Ss vezes ele estava lá,as vezes não. Eu gostava de ver ele tocar, fui prestando mais atenção nele... Aí eu me apaixonei... Naquela época eu já comia a Viviane e era legal e tudo, então foi muito esquisito quando caiu minha ficha... Caralho eu tava caidinho por um cara, foi muita piração...

Toni sorriu de si mesmo ao lembrar como ficava igual uma garotinha apaixonada só olhando Samuel de longe.

— ... Eu nem sabia o nome do sujeito. Ele não era do bairro e ninguém conhecia ele, ninguém nem falava com ele. Ele tinha um... Mistério sabe como é? Aquele típico adolescente introspectivo que tá na cara que não quer papo com ninguém, o cara tava sempre meio escondido dentro da roupa, com capuz e tudo... Não importava o calor, podia tá fazendo um sol de rachar...

UnilateralWhere stories live. Discover now