Capítulo Cinquenta

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Era uma hora da tarde quando Samuel finalmente abriu os olhos. Foi passar a mão no rosto, seus movimentos estavam lentos e se sentia fraco. Tinha aquela sensação engraçada, confortável e macia no corpo. Sentia o edredom tocando em lugares que não deveria. Por pura curiosidade levantou a coberta e constatou o óbvio. Estava nu.

Olhou em volta e percebeu que estava no seu quarto, mas estranhamente não se lembrava de ter subido a escada.

— Acordou bela adormecida? Tava quase te levando para o hospital.

Toni veio entrando no quarto, casualmente.

— O que tá fazendo aqui? — questionou, segurando o edredom como se fosse um bote salva— vidas.

— A gente dormiu junto — respondeu calmamente.

Samuel o viu erguer o edredom e colocar uma bolsa de gelo no seu joelho, o contato gelado lhe deu um sobressalto.

— Relaxa, já desinchou para caramba. Boa tarde né.

Toni se jogou na cama ao seu lado e o abraçou, o puxando para si e dando o beijo no seu pescoço.

— T-Toni eu estou... sem roupa — tentou argumentar, já avermelhando.

— Eu sei, tu mesmo tirou ontem, quase caiu. Aí eu te dei banho e te coloquei na cama — contou calmamente, falando sempre a verdade.

— Eu fiz o que? — questionou aterrorizado.

— Aliás... Cara tu é um tesão de homem. Maluco! Eu quase não dormi com tu pelado bem do meu lado a noite toda! Fiquei de pau duro um tempão!

A medida que foi falando Samuel foi ficando cada vez mais constrangido, até se encolheu um pouco.

— Eu... desculpe...

Toni riu, o apertando nos braços.

— Não tô reclamando não.

Toni ficou acariciando o cabelo alheio, beijou-lhe a testa. Mesmo meio tímido Samuel o abraçou, se aconchegando no corpo moreno, surpreendendo o mais novo.

— Me desculpe por ontem. Eu disse coisas horríveis... mas eu avisei para você ir embora. Quando eu bebo eu... não filtro as palavras direito. Eu não queria que visse daquele jeito... por isso não te liguei a semana toda...

— Eu não ligo Samy. Tu bêbado é até engraçado sabia? No dia que tu me vê bêbado... Ai sim tu vai ver o que é feio. Eu fico fora de controle sabia? Geralmente eu arrumo briga na rua, duas vezes eu já fui até parar no hospital. Quase fui esfaqueado uma vez.

— Bem a sua cara mesmo — sorriu um pouco da história que ouvia.

Toni percebeu o corpo estremecer nos seus braços, gotas quentes tocarem no seu peito, um fungado baixinho. Samuel chorava quietinho, encolhido como uma criança. Era besteira dizer que para o músico não chorar. Tinha perdido a mãe, ganhado uma irmã, fora o conflito interno que estava passando. Tudo que podia fazer era lhe dar um ombro amigo onde se apoiar. Mas logo veio um soluço, um suspiro, mais choro.

— Bota para fora, amor. Chora tudo.

Aquele incentivo foi o estopim para um pranto silencioso e sincero, livre de raiva, amargura ou rancor. Pela primeira vez Samuel chorava honestamente a morte da mãe.

— Eu só queria ter me despedido dela. A última vez que eu vi minha mãe... ela estava batendo nos policiais que levavam o Mauro algemado. Eu queria ter tido a chance de dizer para ela que ainda a amava, apesar de tudo. Queria ter dito que não guardava rancor.

Toni não disse absolutamente nada. Afinal não era hora para xingar a falecida. Mas sempre soube que toda aquela revolta no dia anterior era movido pelo luto, pelo álcool e pelo conflito. Bêbado como estava, Samuel apenas falava o que lhe vinha a cabeça, mas quem o conhecia de verdade sabia que ele nunca guardaria rancor da própria mãe. Não depois de tudo ter acabado, não resolveria nada.

UnilateralWhere stories live. Discover now