Capítulo Dois

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O apego de Lucas pelo irmão mais velho ficou muito evidente na hora do jantar, o menino não parava de falar, contando a Toni sobre a escola e suas travessuras. O maior sorria, apesar da nítida reprovação da mãe, que claramente não queria incentivar as traquinagens do caçula. Tudo que o irmão mais velho respondia era algo como "Relaxa minha rainha, isso é coisa de criança".

Samuel se sentiu completamente deslocado. Toni não lhe dirigiu a palavra uma única vez, na verdade pelo pouco que conseguiu observar o tatuado só interagiu com o menino, vez ou outra respondia a algum comentário de um dos inquilinos da Pensão, que logo terminavam a refeição e se retiravam a fim de cuidar das suas vidas.

Toni era o único que não lhe respondia de forma alguma, nem mesmo com um olhar que fosse. Era estranho, estava se sentindo fora do lugar, completamente sem jeito, afinal aquele homem ali, foi seu amigo mais próximo na pior fase da sua vida, podia mesmo estar morto se não fosse por ele. Tentou durante todo o jantar entender o que tinha mudado.

— Então querido, você já falou com mais algum amigo seu da escola? — começou Magnólia, estranhando a frieza do filho com a visita.

Samuel pigarreou para limpar a garganta.

— Não tia, eu perdi o contato com todo mundo. Não tenho o número de ninguém mais não.

— Ah, mas as coisas não mudaram tanto assim, meu bem, a maioria das pessoas ainda moram no mesmo lugar. Você podia visitar alguns dos seus amigos amanhã — sugeriu com toda a simpatia e um sorriso amável.

— A senhora tem razão. Hum... acho que ainda lembro onde fica a casa de algumas pessoas. Nem é muita gente. Naquela época não dava para ter muitos amigos. Fora o Toni, tinha a Vivi... aliás ela ainda está viva? — riu ao lembrar da garota maluca de cabelos coloridos que vivia se jogando na cama do Toni, bêbada e excitada.

— Sim querido, tá tão mudada que acho que você nem vai acreditar. Talvez até se apaixone por ela de tão linda que ficou!

Toni riu, sarcástico com seu humor ácido, claramente ouvindo a conversa, mas não se manifestou, continuou comendo.

— Mamãe... — chamou Lucas, bem baixinho, muito retraído devido a visita que conversava com a mãe.

— Oi amor, já terminou?

Ele apenas acenou positivamente com a cabeça.

— Tudo bem então. Pode subir, eu sei que tá doidinho para ir jogar não é?

Ele acenou de novo, sorrindo um pouco com o consentimento da mãe para se divertir com o velho PS2 do irmão. Sem esperar para ver se ela mudaria de ideia, saiu em disparada pela sala de jantar, sumindo pela porta.

— Não corre na escada menino! Vai acabar caindo! — gritou de onde estava, arrancando um sorriso leve de Samuel, que logo retomou a conversa.

— Vamos ver se ela se endireitou né! Era meio maluquinha.

— Era sim, mas sempre um amor de pessoa! Mas então? Não tem mais ninguém que você queira ver?

Samuel pensou por alguns instantes, bebeu suco, franzindo a testa.

— Como eu disse, não conhecia muita gente. A senhora sabe bem por que, mas... tinha a dona Lúcia, a enfermeira da escola, acho que vou procurar ela. Tinha também... o Eduardo, ele morava perto da minha casa, meio que crescemos juntos, ele sempre me considerou um irmão — falou saudoso com seus pensamentos.

Toni largou os talheres no prato, chamando a atenção das poucas pessoas que ainda estavam na mesa. Empurrou a cadeira para trás ruidosamente. Samuel sentiu o estômago afundar quando viu o olhar assassino que o homem lhe encarava. De alguma forma era familiar, mesmo que Toni nunca tenha sido agressivo, reconheceria o ódio nos olhos de qualquer pessoa depois de encará-lo tantas vezes.

UnilateralOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz