Capítulo Cinquenta e Um

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Quando Samuel saiu da consulta não falou nada demais e nem parecia surpreso, no máximo um pouco frustrado.

Tudo que já sabia apenas foi confirmado. Teria que tirar o menisco do joelho lesionado e ainda ouviu um discurso sobre a importância da fisioterapia e o repouso nos primeiros dias. Nada que o médico falasse conseguiu suavizar o fato de que mais cedo ou mais tarde ficaria preso a bengala. Talvez mais cedo que a maioria das pessoas. Porque simplesmente já tinha artrose no joelho em consequência das lesões anteriores. A medida que a idade avançasse, mesmo com fisioterapia a dificuldade de caminhar acabaria surgindo.

Era decepcionante.

A cirurgia foi adiada por tempo indeterminado, até que Samuel decidisse o que fazer sobre Maria da Luz, sua irmã. Ainda estava confuso, extremamente sensível sobre tudo.

— Vai dar tudo certo — Toni falou pousando a mão na coxa alheia assim que pararam no sinal vermelho e percebeu o músico se retesar inteiro.

Apenas tirou a mão e ficou olhando pela janela, até colocou os óculos escuros que estavam no painel. Não queria que Samuel percebesse como estava afetado com aquelas pequenas recusas de contato. Desde que saíram de casa, depois que o loiro lhe contou sobre o filho que nunca nasceu, estava assim, arredio outra vez. Ficou se perguntando o que aconteceu naqueles poucos minutos que deixou Samuel sozinho no quarto, quando foi tirar o carro para rua.

O sinal abriu e voltou a dirigir, pensando sobre o assunto. Inúmeras coisas lhe ocorriam, poderia ser qualquer motivo que deixou Samuel tão retraído outra vez.

— Ah! Antes que eu esqueça, o teu primo ligou quando tu tava com o médico. Tá chegando às sete da noite com a família toda e me pediu para buscar ele no aeroporto. Tu vai querer ver eles?

Samuel sentiu um frio agourento na barriga, lembrou da última vez que viu sua tia. O ressentimento nos olhos azuis, a repreensão que recebeu e o tapa ardido que estalou no seu rosto.

"... Eu não faço questão do amor de uma pessoa como você"

Aquilo se repetiu nos seus ouvidos, vindo de algum lugar da suas memórias.

— Samy... tu não é obrigado a nada. Tu sabe disso né? — questionou preocupado.

Samuel engoliu a saliva da boca e seu pomo de adão subiu e desceu, nervosamente. Seu coração já se enchia de incertezas e receios.

— Tudo bem. Afinal eles vieram até aqui para me ver. Mas não acho que vai caber todo mundo no carro.

— Se tu tá dizendo. Beleza. Não esquenta não, eu vou te deixar na tua casa primeiro de depois pego esse povo e levo para lá. Eles vão ficar hospedados lá não vão? — questionou enrugando a testa e sentindo aquela sensação ruim esquisita no peito.

— Acho que sim.

Quando chegaram na pensão Toni não ousou voltar para o quarto, foi para os fundos do quintal, onde acendeu sem primeiro cigarro em semanas. Ficou tão absorto nos seus devaneios de sofrimento antecipado que não viu o tempo passar.

Quando deu a hora certa de sair de casa Toni foi sem dizer uma única palavra o caminho todo e como sempre era o único que não se abalava com o silêncio tenso que estava no carro. Samuel chegava ter palpitações de tanto nervosismo, sem entender o que exatamente tinha feito de errado. Porque era evidente que o problema era com ele. Quando chegaram no destino, Toni só saiu rumo ao aeroporto quando o deixou dentro de casa com um simples não demoro e recomendou que não subisse a escada.

Samuel não entendeu o motivo daquele mau humor todo, embora sentisse aquele calorzinho bom no peito toda vez que Toni assumia aquele jeito protetor meio autoritário. Mas sentiu falta do beijo. Toni sempre lhe beijava por motivo nenhum, sempre, o tempo todo. Tinha até se acostumado apesar de fazer dois dias que estava hospedado na pensão. Era estranho vê-lo sair sem fazer isso. Até tocou os lábios com a pontas dos dedos, sem entender qual era o problema.

UnilateralWhere stories live. Discover now