Capítulo Dezoito

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— Diga companheiro! O que você manda?

A voz familiar soou metálica através da ligação, mas pelo tom descontraído e leve sabia que Otávio estava sorrindo. Talvez estivesse com as filhas agora.

— Oi, como estão as coisas por aí? — conseguiu perguntar, antes da sua voz falhar. Soltou o ar lentamente para que seu primo não percebesse.

— Tudo normal. A mamãe ligou da China, vai passar mais uns dias por lá antes de partir para o próximo destino.

Samuel pensou na sua tia Rosa, com aqueles cabelos vermelhos impecáveis e o olhar atento. Sempre perdida num país afastado, vivendo aventuras inimagináveis. Sua garganta se comprimiu e a voz sumiu de repente. Levou mais alguns instantes para conseguir recuperá-la.

— Eu fui na minha casa — contou.

Otávio ficou em silêncio por alguns instantes, quando falou estava sério.

— Por que foi lá?

Samuel encarou o teto do quarto, fazendo o possível para ficar calmo.

— Eu me lembrei de tudo. Por que você não me disse? — conseguiu perguntar.

— Para que? Para você ficar desse jeito? Não é uma coisa que deva contar para as pessoas — respondeu no mesmo tom sério. — ouviu a respiração pesada de Otávio — Eu só fiquei sabendo de tudo que aconteceu naquele dia porque vi o relatório da polícia e tive acesso ao depoimento do Mauro. Ele ainda estava muito lombrado então falou demais e acabou se complicando. Depois de um tempo aqui em casa você esqueceu e a psicóloga da época nos aconselhou a deixar assim.

— Por que? Como deixar assim? É uma coisa importante! Como que se esquece um negócio desses? — exaltou-se enfim, indignado mais consigo mesmo do que qualquer outra coisa.

— É como se fosse uma defesa. Seu cérebro decidiu que você viveria melhor sem lembrar disso. Pronto. Simples assim. Você não tem que se preocupar com "por que esqueceu" isso são questões complexas da psicologia. O que eu quero saber é o que foi fazer naquela casa. Eu te avisei para ficar longe daquele lugar — seu tom mudou, falava com autoridade, como se Samuel fosse uma das suas filhas.

O músico respirou fundo.

— Estava fugindo de um marginal, só conhecia aquele lugar perto. Levei uma surra e estou todo roxo agora — no meio da sua angustia quase crônica acabou sorrindo ao imaginar a cara do seu primo agora.

— Isso não é engraçado Samuel! Como isso foi acontecer? — brigou de forma mais severa.

Samuel desfez o sorriso, desanimando outra vez e suspirou.

— É outra coisa que eu quero conversar com você. Está trabalhando em alguma coisa importante agora?

Novamente Otávio ficou em silêncio por alguns instantes, certamente escolhendo bem as palavras.

— Por quê?

Samuel pensou mais um pouco, revendo em pensamento tudo que imaginou nos últimos dias.

— Acha que consegue descobrir alguma coisa sobre esse marginal que me bateu?

— Vai depender do quanto você pode me falar sobre ele.

Samuel fez um resumo de tudo que aconteceu na segunda-feira. Otávio ouviu pacientemente, sem interromper de forma alguma. Conhecendo o primo como conhecia Samuel sabia que era bem capaz dele estar anotando tudo que falava. Quando concluiu o relato, ouviu a respiração do primo pesar do outro lado da linha.

— Uau. Pense num povo sem sorte é esse daí dessa pensão viu. Oh turma azarada. Olha, não parece muito difícil.

— Obrigado Ota.

UnilateralWhere stories live. Discover now