Capítulo Oito

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Aquilo era muito estranho. Samuel se sentia no mínimo desconfortável com aquele silêncio mortal que imperava na cozinha. Via os músculos das costas largas de Toni se moverem enquanto ele lavava a pilha de louça suja na pia, sem dizer uma única palavra.

Pensou em inúmeras formas de começar uma conversa, mas estava nervoso de mais para tomar qualquer iniciativa. Tudo que cogitava dizer lhe parecia estúpido diante da gravidade do assunto pendente que existia entre eles, mas por outro lado não parecia uma boa ideia simplesmente falar sobre o que descobriu pela manhã.

Estava aflito. Não sabia como se aproximar do velho amigo. Se limitou a limpar o balcão e a mesa, para passar pano no chão em seguida.

— Minha mãe me falou que você tá ensinando o Lucas a tocar violão — soltou Toni, tão de repente que Samuel quase se assustou, mas ficou aliviado pelo moreno iniciar uma conversa.

— Ele me ouviu tocando hoje e ficou muito interessado, acho que ele tem talento, aprende muito rápido.

— Cê é professor de música né? — quis confirmar o que sua mãe falou mais cedo.

— Estou de férias agora. Estava pensando em comprar um violão infantil para ele. Acho que ele ia aprender mais rápido, assim pode praticar mais à vontade.

— Seria legal — limitou sua resposta isso.

— E você? Ainda gosta de vídeo games? Lembro que era viciado nesse negócio — tentou uma vez, sorrindo um pouco com a lembrança.

— Curto para caramba, mas não tenho mais tanto tempo para isso. Agora é vida de gente grande.

— Entendo. Eu terminei aqui, você quer ajuda? — mostrou um sorriso mínimo.

Toni negou com a cabeça, enxugando as mãos num pano de prato, mostrando que tinha acabado também e tirou a carteira de cigarros do bolso, se serviu de um deles e o prendeu entre os lábios antes de pegar o isqueiro. Se aproximou de Samuel que estava encostado no balcão com os braços cruzados, cada vez mais perto, deixando o loiro nervoso. Acendeu o cigarro, olhando muito friamente para o loiro, podia ver que Samuel estava ficando com medo, era exatamente o que queria.

— Se quiser comprar um violão... compra, beleza. Se quiser ensinar ele a tocar violão... ensina, até aí fica tudo de boa.

O modo como Toni o olhava tão de perto e tão hostil ao mesmo tempo lhe fazia querer sair correndo, Samuel engoliu a saliva da boca nervosamente.

— Oi? — foi tudo que conseguiu dizer.

Um desespero há muito esquecido tomou conta do interior de Samuel no momento que a compreensão o atingiu. O outro o olhava agora como seu padrasto fazia, com ódio e isso despertou o medo monstruoso há anos adormecido no seu interior. Medo real e palpável, que fazia seus olhos brilharem em apreensão e um frio congelante surgir na boca do estômago.

— Eu vou ser bem claro. Não coloque seu veneno no meu irmão. Se eu achar que tu tá machucando ele, eu apago um cigarro desse na tua bunda sem pensar duas vezes. Tá avisado. Fica esperto cara. — falou friamente e saiu dali como se nada tivesse acontecido.

O músico permaneceu escorado no balcão, enquanto sua mente racionalizava o que tinha acontecido ali, seu coração parecia que ia sair pela boca. Os olhos cheios de desprezo que viu a poucos segundos não podiam ser os mesmos que o olharam com carinho por tanto tempo. Definitivamente voltar para sua cidade natal tinha sido uma péssima ideia.

***

Toni fumou dois cigarros seguidos no fundo do quintal, precisava se acalmar.

Olhar Samuel de frente daquela forma fez seu coração bater de maneira errática e dolorida, ainda lhe era perturbador tê-lo tão perto, mesmo depois de tanto tempo. Andou de um lado para outro, como um bicho encurralado, as vezes parava para soprar fumaça para cima e olhar o céu estrelado.

UnilateralWhere stories live. Discover now