Capítulo Vinte e Sete

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Toni achou o endereço que o tal Otávio lhe ditou muito familiar, mas não o reconheceu de imediato.

Foi dirigindo calmamente pelas ruas calmas no meio da tarde, o sol brilhava forte sem nenhuma nuvem no céu e o calor era intenso. O seu passageiro não disse uma única palavra durante todo o trajeto, nem mesmo aquele papo chato cheio de perguntas curiosas que as pessoas inventam de fazer quando estão tentando saber se foi um bom negócio contratar o pedreiro ou se vai ser caro o serviço. Mas podia sentir o olhar estudioso sobre si, algo penetrante, avaliador e um tanto julgador. Otávio parecia ser um homem severo, do tipo observador e ao mesmo tempo sua presença impunha respeito.

Quando entraram na rua onde supostamente ficava a casa sentiu o estômago afundar numa sensação ruim. Otávio lhe olhou com mais atenção, como se percebesse seu desconforto e o questionasse em silêncio de forma desafiadora. Toni apenas pegou o óculos escuro que estava no painel e os colocou, era de um estilo caminhoneiro que lhe caía perfeitamente. Viviane lhe entregou no ano anterior jurando com os pés juntos que Samuel comprou na feira por achar que ficaria bem nele.

Foram mais alguns minutos de silêncio meio desconfortável em que Otávio o encarava sem hesitação. Isso estava começando a irritar.

— É aqui — anunciou o cliente.

Toni parou o carro no acostamento mas não se moveu, sabia exatamente onde estava. Aquela sensação ruim no estômago ganhou força e foi amargando na sua boca.

— Não ferra — resmungou baixinho quando o homem saiu do carro.

Sabia que devia sair também mas a verdade é que não queria acreditar que estava mesmo sendo contratado para reformar justo aquela casa.

— Algum problema rapaz? — questionou o cliente se curvando na janela do passageiro.

— Não — limitou a resposta a isso e saiu do carro apertando os dentes e batendo a porta com força.

Otávio o encarou meu risonho, discretamente satisfeito com seu mau humor súbito. Toni olhou a casa abandonada e maltratada pelo tempo. Tinha uma atmosfera agourenta de pura malignidade na sua opinião, só faltava um corvo na biqueira fazendo barulho para completar o conjunto da obra.

— Essa é a casa? — questionou só para confirmar, mas no fundo já sabia.

— Essa mesma.

A casa da família de Samuel, onde todas aquelas coisas horríveis aconteceram.

Toni tampou a boca com a mão e apoiou a outra no muro. Aproveitando a proteção dos óculos escuros, pois não conseguiria disfarçar o tremular dos seus olhos. Seu coração estava apertado.

— Vou perguntar outra vez. Você está com algum problema? — questionou o outro, com seus olhos de águia afiados.

— Não. "Bora" lá.

Os dois foram entrando, atravessando o mato alto até a varanda da frente, que rangeu sob seus pés. Otávio destrancou a porta da frente, quando ela se abriu foi como ver a entrada para o inferno. Toni lembrou do dia que veio às pressas socorrer Samuel e Lucas e do seu medo secreto que algo ruim tivesse acontecido. O interior escuro não era convidativo, mas mesmo assim entraram.

Olhando cada canto, cada cômodo, as marcas nos móveis, Otávio registrava tudo que via, era a primeira vez que entrava ali, talvez por todos os seus anos na polícia não se surpreendeu muito com nada.

— Bem vai dar trabalho, mas é recuperável. Dá para fazer a restauração total eu acho, assim ela fica igualzinha como era antes.

— Não tenho interesse em restaurar essa casa, prefiro transformar tudo, uma descaracterização completa.

UnilateralWhere stories live. Discover now