Prólogo

17.2K 1K 506
                                    


O Ibuprofeno finalmente estava fazendo efeito. Toni se levantou e foi até as pernas do amigo, removeu a bolsa de gelo que repousava sobre o joelho direito do rapaz, sempre tentando ser cuidadoso, mas Samuel não protestou de forma nenhuma. O inchaço no lado interno era preocupante, também tinha um hematoma escuro.

— Acho que você machucou o ligamento... devia ir para o hospital.

— Não começa Toni, por favor — pediu, quase choroso, implorando para não ter uma briga justo agora.

O outro suspirou e balançou a cabeça de forma reprovativa.

— Parece que foi o ligamento medial colateral, talvez precise fazer uma ressonância magnética — falou friamente, incapaz de esconder sua irritação agora.

Samuel engoliu a pouca saliva que tinha na boca, fazendo seu pomo de adão subir e descer.

— Desde quando você sabe o que é um ligamento medial? Vai ser médico por acaso? — tentou brincar, para descontrair o ambiente, mas tudo que recebeu foi um olhar feroz do menor, que as vezes conseguia ser implacável.

O menino de cabelos negros abriu uma gaveta da cômoda e pegou dois frascos, ignorando a brincadeira. Abriu um e tirou três bolinhas pequenas e bem redondinhas na mão, deixou escorregarem até os dedos, prensando-as com o indicador e o polegar. Sem fazer qualquer cerimônia encostou a pontas dos dedos nos lábios finos e rosados do mais velho, surpreendendo-o com o contato.

— Abre — ordenou sem paciência nenhuma.

Samuel obedeceu, sentindo o coração palpitar quando os dedos entraram minimamente na sua boca, apenas as pontinhas e soltaram as três bolinhas.

— Não engole, deixa embaixo da língua — concluiu o menino mandão e carrancudo.

— O que é isso? — questionou, com os olhos cheios de curiosidade.

— Arnica Montana 9 CH, vai ajudar com a porcaria do teu joelho. Eu vou ter que passar gel de arnica, pode doer um pouco.

Espalhou cuidadosamente o gel na região mais lesionada, Samuel tencionou o corpo e prendeu um lamúrio na garganta.

— A culpa é tua, então aguenta sem acordar todo mundo! Eu já disse um milhão de vezes que se continuar assim vai acabar aleijado ou morto! — brigou sem nenhuma misericórdia.

Samuel não se assustou com esse rompante, afinal já sabia como era o gênio difícil do menor. Tudo que pode fazer foi apertar bem os lábios e aguentar, mas aquela tortura durou pouco mais que aguns minutos.

O menino se levantou sem dizer mais nada, apenas se retirou do quarto, desaparecendo. Samuel ficou prostrado naquela cama, com a mente carregada dos últimos acontecimentos, sentindo aquele aperto no peito, aquela velha angustia que já o acompanhava há muito tempo, antes que percebesse seus olhos já derramavam grossas lágrimas, silêncio sas e doloridas, vindas do lugar mais obscuro do seu ser. Amaldiçoava em silêncio o seu destino, sua falta de sorte, ou carma, ou seja lá o que for. Apenas odiava a sua vida.

Tão imerso estava no próprio conflito que não percebeu quando Toni voltou e nem como o menor trincava os dentes, tencionando a mandíbula diante da sua angustia, se sentindo impotente.

O menino colocou o prato que trazia nas mãos em cima da cômoda, deixando Samuel perceber sua presença e enxugar as lágrimas vergonhosas.

Sem dizer nada ainda, esperou o loiro sentar na cama, se recostando na cabeceira com algumas caretas de dor, mas por fim lhe entregou o prato com uma porção da magnifica comida da dona Magnólia, mãe de Toni. Samuel adorava a comida daquela pensão, era deliciosa e caía muito bem naquele momento, afinal não comia nada desde à noite anterior. Comeu em silêncio, percebendo como Toni parecia irritado desta vez, ele sempre reagia assim quando falavam sobre essa sua condição de vida esquisita, sempre o repreendia, mas desta vez, estava mais afetado que o normal.

UnilateralOnde histórias criam vida. Descubra agora