Capítulo 3 - Respostas

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Debaixo do céu escurecido pelas nuvens que precedem a tempestade, as ruas parecem vazias como numa cidade-fantasma.

O vento forte bate sobre minhas costas, como que me empurrando para longe. Debaixo do capuz negro do meu moletom, eu não tenho medo da chuva – confio em minha velha bicicleta para me levar aonde precisar. Minha mãe provavelmente teria me matado, se soubesse que eu estava pedalando sozinha em uma rua longe do centro. Eu sabia que meu hábito de ficar no ginásio além do horário era difícil de ignorar. Hoje eu relutantemente o quebrara com uma facilidade que, embora tentasse negar a mim mesma com desculpas esfarrapadas internas, deixava-me profundamente assustada. 

Para ser bastante sincera, eu não entendo muito bem o que está me levando até lá. Sempre revesti meus hábitos de uma singela superstição latente, um instinto sussurrando em minha consciência que há algo de profundamente errado em não cumprir a rotina diária, como uma peça faltando. 

Minha época de credulidade e ilusão já passou há tempos, e já não estou tão certa se é o tal segredo que Thalia prometera contar que me leva até tão longe. Há uma estranha culpa, uma necessidade de compensar Leo e os outros da falta que eu fazia no grupo, pois sei que, independente do que Thalia tem a dizer, eles sentirão minha falta se eu não vier jogar videogame como nos velhos tempos.

Uma parte de mim, a mais contraditória, sente certa raiva desta necessidade que todos parecem ter em tentar refazer a rotina quando não há mais velhos tempos. No fundo, sei que sou egoísta ao pensar assim e que, como eu, eles apenas tentam juntar os cacos do que sobrou de nossa realidade. Sair do estágio de negação já é alguma coisa, penso, numa tentativa de consolo.

São 17 horas, próximo do horário do rush, quando espio as calçadas pelo canto do olho. Não deveria estar tão deserto assim. O vento revolto chacoalhando as folhas das árvores é o único som a ressoar, junto ao silvo perturbador da própria ventania, encaminhando-me a pensamentos sombrios. Ninguém por aqui acreditavam que alguma coisa ruim destruiria a aura de rotina suburbana com a qual todos tínhamos nos acostumado, mais até do que seria saudável.

Foi em um lugar assim que Alice desapareceu, em meio a uma tarde chuvosa.

Pedalo um pouco mais forte quando percebo as nuvens avançando vorazes sob o céu. Como a maioria das ruas do bairro, esta é ladeada de casas em estilo colonial, e é muito fácil se perder. Leo mora em uma casinha em frente a um pequeno jardim e a um muro, com algumas árvores em frente a calçada. Desço da bicicleta e aperto o interfone.

– Cheguei.

– Toc toc – brinca uma voz metálica do outro lado do aparelho.

Solto um suspiro entediado.

– Quem bate?

Leo não se preocupa em ser engraçado desta vez.

– A garota sumida que abandonou os amiguinhos pra ficar a tarde toda no ginásio.

– Tá, abre logo essa porta - resmungo impaciente - Já viu com tá o céu?

Sorrio quando Leo solta um suspiro afetado, lembrando-me de tempos mais alegres em que ele facilmente perdia a paciência.

– Sem graça.

A tranca do muro é aberta com um "clique".

– Ainda tem espaço pra guardar a minha possante? – pergunto, dando um tapinha na bicicleta.

Leo surge no pátio em frente a porta e quase me derruba com um abraço repentino. Surpresa com o contato imediato, permaneço imóvel e desconcertada, mas quando ele me solta e olha em meus olhos cinzentos com uma sinceridade ainda mais desconcertante, percebo a falta que fiz.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora