Capítulo 28 - Véu

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– Não – sussurro – Não, não é você. Isso é tudo um sonho. Posso sair daqui quando eu quiser.

Seu sorriso se alarga.

Então por que não sai? – ela joga a cabeça para trás, o pescoço e os ombros repletos de marcas, algumas cicatrizadas, outras ainda abertas – Por que não quebra essa porta e foge daqui logo de uma vez?

Ainda com o grampo em mãos, forço a porta até enroscar as bifurcações e abri-la com as mãos frias e grudentas de suor escorregando pela maçaneta, apenas para me deparar com outra porta bem na minha frente, idêntica à primeira que, depois de aberta, solta-se de suas dobradiças enferrujadas e esfacela no chão, consumida por cupins. Com o coração martelando contra os ossos, repito o ato diversas vezes, alcançando o mesmo resultado em todas elas.

Os bichos se amontoam sobre o corpo de Helena.

Meu corpo.

Deixa de ser covarde – o riso persiste em sua boca rasgada – Por que não aproveitamos a companhia uma da outra?

Abafo sua voz com o som de meus punhos contra a madeira apodrecida. Deslizo as unhas roídas pela superfície arranhada, sucumbindo. Não, isso não é real. Não é, não é, não é.

Continue mentindo para si mesma, fugindo, se assim prefere. Você sempre foi boa nisso, não é mesmo? Foi como eu nasci, em primeiro lugar – Suas palavras escorrem perniciosas por meus ouvidos. Encostando a testa sobre uma das reentrâncias da porta, cubro-os com as mãos.

– Cala a boca, cala a boca, cala a boca! – começo, primeiro como um sussurro quase inaudível até berros rasgando as cordas vocais ressecadas. Repito até que as palavras percam o significado e virem expressões vazias, até que os gritos estejam embargados com o soluço do meu choro.

Por que, por que, por que?

Tirem-me daqui.

Tirem-me daqui!

Fecho os olhos e finjo, a última coisa que me resta. Finjo que estou mesmo em casa, que este é o meu quarto, que me tranquei por dentro após uma briga com mamãe e que logo Edgar virá até aqui, o som de suas chinelas chapinhando pelos corredores do apartamento, seguidos de batidas quietas na porta. Ouço-as agora mesmo. Eu deveria ser capaz de consolá-lo, não o contrário. Afundo devagar. Vá embora, não vá. Deixe-me aqui, não me deixe. Tire-me daqui.

Em algum momento, minhas mãos abandonam meus ouvidos para arranhar a porta novamente. Logo escuto sua voz, minha voz, a voz de quem quer que eu seja agora.

Cecília.

– ME DEIXA EM PAZ!

Outra risada ruidosa.

Esta é uma das poucas coisas que ainda sou capaz de não fazer. Acha mesmo que eu abriria mão disso? – responde – Está enfiada aqui junto comigo.

– P-por... que...?

Por que eu deveria lhe dizer?

Jogo-me no chão, encolhendo-me em uma bola. Não quero olhar, não posso olhar, não vou olhar.

– Me mata logo, se é isso que você quer tanto – minha voz é um fio de soluços.

Um som de correntes se arrastando pelo piso de lajotas imundas toma conta do quarto exíguo.

Não é como se eu não quisesse fazer isso – O sangue sobe quente por meu rosto. Não consigo me desvencilhar quando Helena sussurra em meu ouvido – Na verdade, ainda vou, é só uma questão de tempo. Não se preocupe com isso.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora