Capítulo 8 - Controle

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"Eu serei a calma
Eu ficarei quieta
Despojada até o osso
Eu espero"

Of Monsters and Men - Thousand Eyes

Duas semanas depois

Acordo com uma forte dor nas têmporas. Não estou em nenhum daqueles sonhos confusos desta vez. A lucidez retorna aos poucos, para o claustrofóbico cômodo com aspecto de masmorra, de paredes barrentas e aparência grosseira em que me acostumei a viver. Deitada sob um pedaço de pano encardido que me serve como cama, minhas costas doem debaixo do chão duro de terra batida. Não há mais nada além de uma latrina no canto da câmara.

Sei que não estou mais no Kansas.

Minha última lembrança sã é um despertar turbulento em meio ao campo abandonado, a chuva densa e fria a congelar meus ossos, a sensação de estar prestes a morrer nas mãos das mulheres que me perseguiram e me trouxeram aqui.

"Bem-vinda a Hyrule, princesa"

Estremeço. Ser resgatada da chuva iniciou uma série de acontecimentos bizarros e incompreensíveis. Fragmentos de memória voltam a mim desconexos, bizarros, acentuados em sua loucura: mais mulheres de cabelos ruivos (que mais tarde eu descobriria pertencerem a uma raça chamada Gerudo) apareciam, obrigando-me a engolir uma bebida de gosto acre. Resistir provava-se infrutífero dia após dia. Quando o líquido queimava pela garganta, eu me perdia completamente em algum lugar desconhecido da consciência.

Acima de tudo, sabia que perdia a mim mesma no processo.

E, assim, as visões começavam.

Espelhos, monstros, raízes puxando-me para debaixo da terra assombravam meus pensamentos. Clones de sangue, espaços vazios, falta de ar. Experiências de quase-morte. Descargas elétricas dolorosas irradiando por todo o corpo. As ilusões abstratas eram sempre as piores, contudo – sensações despidas de imagem, nuas, puras em sua forma mais genuína. O medo opressivo, o desespero pulsante, sufocante, asfixiante, conduzindo-me lentamente a um estado de profunda agonia, a mente entorpecida sem saber para onde fugir, senão para dentro de si – ou seria para fora?

A resignação crescia em mim silenciosamente junto à inércia que pouco a pouco tomava conta de meu espírito fraco, cansado de teimar. Duas vozes esganiçadas sussurravam em meu ouvido: "Não resista".

Eu não resistia.

Eu não queria resistir.

Eu não devia resistir.

Eu viveria neste redemoinho colérico para sempre.

Mas não.

Em algum momento em meio ao desespero, eu via. Sentia minha mente se expandir diante de um caminho secreto a que ninguém jamais teria acesso, uma saída de emergência na forma de um fio de cabelo, um vislumbre roubado, ou a luz refletida de um espelho. Por um momento, tudo o que eu precisava fazer ou dizer para fugir brilhava sem pudor diante de meus olhos, onde quer que estivessem. Só precisava seguir o rastro dele, onde ela também estaria.

Brilhantes borboletas flutuando sob a superfície esquecida de um velho espelho.

Mas quem?

Onde?

A lembrança se dissolvia no momento fatal.

As ilusões loucas desapareciam junto, um sonho lúcido em que se sabe exatamente como parar. Por alguns instantes, eu estava no controle. Minha mente era minha novamente. E esta liberdade era sempre precedida por uma dor pungente nas têmporas, como agora.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora